Design e (des)ilusão

Vivemos num mundo onde o artificial é natural. E o artificial não existiria sem arquitectos e designers

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Todos os dias, milhares de produtos impulsionados por tecnologia e design inundam a internet. Muitos, certamente demasiados, chegam a ser produzidos. Os critérios maioritariamente utilizados pelos meios de comunicação social para dar eco a projectos encorajados por este binómio são normalmente vagos. Em Portugal, como noutros países, basta muitas vezes que tenham sido criados ou desenhados por um cidadão nacional para que sejam imediatamente dignos de notícia, "likes" e "shares". Invariavelmente, estes servem cada vez mais de barómetro de qualidade. À tendência de fácil sedução pela tecnologia e ideologia de Silicon Valley, o crítico Evgeny Morozov chama solucionismo. Por outras palavras, acreditar que a tecnologia, com a ajuda do design, pode resolver os problemas da humanidade. Esta atitude tem um custo elevado para a sociedade.

No princípio de 2015, uma equipa de designers e arquitectos utilizaram precisamente a tecnologia e o design para, nas suas palavras, trazer de novo os pássaros para a cidade. A solução foi um bonito e colorido ninho produzido com uma impressora 3D chamado Printed Nest. E tudo o que é feito com impressoras 3D é notícia. O projecto empreendedor e inovador tem características comuns a muitos outros: 1) utiliza a ideia de comunidade online, podendo-se mapear quem e onde imprimiu ninhos; 2) é DIY (faça você mesmo) e divertido; 3) pode ser produzido com materiais recicláveis; 4) é "open-source" e customizável. No entanto, o problema deste projecto — como outros que se propõem resolver a obesidade através de uma app — é a ilusão de esperar e deixar que a tecnologia defina a solução.

Vivemos num mundo onde o artificial é natural. E o artificial não existiria sem arquitectos e designers. Neste sentido — e porque a forma como o artificial é construído afecta o nosso futuro — é impossível desresponsabilizar arquitectos e designers pelo estado catastrófico em que está o planeta. Tudo o que construímos e a forma como projectamos, prefigura e condiciona a forma como agimos e pensamos. Isto é, o design desenha-nos. Este é talvez um exemplo que deixa claro que o design é inescapavelmente político. É por esta razão que em vez de imprimir ninhos para trazer os pássaros de volta para a cidade, seria importante pensar porque é que eles não estão, nem têm condições para nela habitar. Os pássaros sabem construir ninhos melhor do que uma impressora 3D. A equipa de Printed Nest pensou numa cativante solução tecnológica para o que é um problema sistémico e infra-estrutural. Se deixarmos a tecnologia comandar o complexo processo político de mudança social, brevemente seremos cúmplices de uma solução ainda mais rápida e rentável: imprimir pássaros. 

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