O último beijo de Cavaco

O presente do velho presidente servirá para afirmação do novo. Pior que Cavaco é difícil, mas ser igual não será suficiente e será uma decisão para demonstrar quão diferente é Rebelo de Sousa de Silva

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Daniel Rocha

Cavaco ficará para sempre como o presidente que viveu no passado. E é normal. Foi esse passado em que peculato, nepotismo, tráfico de influências, favorecimentos e impunidade eram ainda pouco escrutinados pela ainda imatura democracia portuguesa. Não é portanto de estranhar que tenha fincado as suas unhas na poltrona e tenha evitado, contra tudo, contra todos e contra o tempo, entrar em 2016.

O último beijo de Cavaco é um veto presidencial. É a última afirmação de ignorância de quem sempre ignorou a verdadeira natureza dos seus cargos e, mais uma vez, um capricho pessoal resultaria numa enorme perda para a democracia portuguesa. É mais um ponto numa herança digna de repúdio e que terá como cabeça de casal Marcelo Rebelo de Sousa.

O veto à adopção por casais gays e às alterações à lei do aborto ficou para os dias de saída para que, com a mesma intenção de um qualquer adolescente que bate a porta do quarto com força, o imaturo republicano (é difícil chamar-lhe democrata) ficasse com a última palavra. A birra é tanto maior que tem um desfecho anunciado, uma vez que o sucessor já se pronunciou a favor da promulgação e o Governo já prometeu insistir. O único efeito será mesmo o de marcar, na memória dos portugueses, mais um episódio anacrónico da sua presidência.

No entanto, terá o efeito colateral, caso o “camaleão” Marcelo cumpra com o prometido em debate com Marisa Matias, de fazer com que o novo presidente pareça progressista. Não há melhor memória do referendo de 1998 do que aquela conversa de lareira e as memórias do conservadorismo de Marcelo foram todas reavivadas pela campanha eleitoral.

O presente do velho presidente servirá para afirmação do novo. Pior que Cavaco é difícil, mas ser igual não será suficiente e será uma decisão para demonstrar quão diferente é Rebelo de Sousa de Silva. Marcelo usará a oportunidade para se distanciar de si mesmo e passar a imagem de que acompanhou o amadurecimento dos portugueses. Assim esperemos, para que ganhemos nesta volta, mas levaremos Marcelo a mais voltas para que nos prove que é um maduro “presidente de todos”.

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