Aniversário da revolução deixa regime egípcio com “ataque de pânico”

Nas orações de sexta-feira, os imãs leram sermões enviados pelo Governo onde se apelava aos fiéis para ficarem em casa esta segunda-feira. Nos dias anteriores, a polícia lançou vaga de raides em apartamentos e espaços culturais.

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A Praça Tahrir durante a concentração de Janeiro de 2011 Khaled Desouki/AFP

Não, não será no quinto aniversário da revolta que depôs Hosni Mubarak que outra revolução vai começar no Egipto. Aliás, tendo em conta a repressão do actual regime militar e o aparato de segurança preparado para a ocasião, é até pouco provável que alguém consiga manifestar-se na Praça Tahrir do Cairo, onde há cinco anos centenas de milhares de pessoas se concentraram e aí ficaram até os militares deixarem cair o ditador, a 11 de Fevereiro.

Nas últimas semanas, a polícia fez buscas em 5000 apartamentos no centro da capital, no que descreve como “medidas de precaução”, e lançou uma vaga de detenções de antigos ou actuais activistas, jornalistas ou simplesmente jovens com perfil de potenciais manifestantes. Também fechou uma galeria e um centro cultural, deteve temporariamente funcionários de uma editora, prendeu o director de um jornal online e apareceu em cafés frequentados por intelectuais e artistas.

“O Ministério do Interior tem um plano para lidar com todos os cenários possíveis no dia 25 de Janeiro”, afirmou sábado à noite na televisão egípcia o ministro da pasta, Magdi Abdel-Gaffar. Na véspera, segundo o Middle East Monitor (ONG que monitoriza os media na região), os imãs usaram as principais orações da semana para apelar aos fiéis para ficarem em caso neste aniversário, lendo sermões que receberam do Governo.

Os poderes da polícia foram altamente reforçados pelo actual Presidente, Abdel Fattah al-Sissi, ex-chefe das Forças Armadas, eleito depois de ter derrubado o primeiro chefe de Estado escolhido democraticamente na História do país, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. Com a Lei dos Protestos, aprovada em Novembro de 2013, qualquer contestação (definida como um ajuntamento de dez pessoas ou mais) pode ser considerada ilegal e os agentes têm permissão para usar armas de fogo contra manifestantes desarmados.

O jornalista Emir Nader escapou à prisão por estar fora do país. Na madrugada de dia 18, o apartamento onde vive, perto da Tahrir, foi um dos vários na zona visitados pela polícia. Nader divide casa com três egípcios, incluindo um médico que defende o acesso dos detidos a cuidados de saúde, Taher Mokhtar, e Ahmed Mohamed Hassan, envolvido numa campanha contra o serviço militar. “Decidiram que era suficiente para prenderem os três”, contou ao jornal Guardian Nader. “Nós pensamos que a polícia tem ido de porta em porta e quando é um jovem que abre entra”, diz.

Nader não é o único a acreditar que está aberta “uma caça ao jovem”. O diário britânico ouviu vários habitantes do centro da capital sem quaisquer ligações a movimentos cujas casas foram alvo de buscas. “Eles entraram em todas as divisões. E fizeram o mesmo em todos os apartamentos do prédio, perguntaram quem vive onde, o que é que as pessoas fazem, por que é que estão no país”, descreveu Elhady Mahmoud, cuja casa foi revistada na terça-feira à noite.

Kerim Mounir vive na mesma rua do que Mahmoud, mas não acordou quando lhe bateram à porta. O porteiro contou-lhe depois que dez homens “lhe ordenaram que fosse com eles a todos os apartamentos”, diz. “Fizeram buscas em 12, só não entraram no nosso por pensarem que não estava ninguém.”

Os desaparecidos

Nem todas estas operações são realizadas por polícias fardados – o Egipto tem uma longa tradição de usar milícias ou polícias à paisana e há dezenas de casos documentados por ONG como a Amnistia Internacional de activistas que estão desaparecidos e se acredita terem sido detidos.

“Sentimos que a polícia está a agir completamente fora da lei”, diz à revista Time Mohamed Lofty, director da Comissão dos Direitos e das Liberdades do Egipto, escondido desde o fim de Dezembro. Ahmed Abdullah, um dos colegas de Lofty na Comissão, esteve quase a ser preso no dia 9, quando três homens armados e vestidos à civil apareceram à sua procura num café que costuma frequentar. “Eles podiam ter feito o que entendessem”, afirmou na sexta-feira. “A polícia pode apanhar-me e depois dizer ‘não fizemos nada, não sabemos onde está’. Como os casos de desaparecimentos forçados que investigamos.”

No início do mês, quatro membros do grupo pró-democracia Movimento 6 de Abril foram presos, dias antes do raide na galeria Townhouse, agora fechada, e das buscas na editora Dar Merit. Outro alvo foi o Emad Eddin, um espaço com estúdios para ensaios e onde há aulas de teatro e de cenografia. O 6 de Abril, instrumental na revolta de 2011, foi ilegalizado, tal como fez com a Irmandade Muçulmana depois da chegada de Sissi ao poder.

Em Junho, a AI escrevia que “o Egipto é mais do que nunca um Estado policial” e citava activistas de direitos humanos egípcios que em Maio de 2014 publicaram uma lista de 41 mil pessoas detidas, acusadas ou já condenadas pelas actuais autoridades. Os números oficiais referem a detenção de 22 mil pessoas, incluindo 3000 membros da Irmandade Muçulmana.

Geração prisão

No relatório intitulado “Geração prisão”, a AI escreve que “ao prender a juventude do Egipto pelos seus protestos, pelas suas actividades políticas ou defesa dos direitos humanos, as autoridades estão a esmagar o futuro do país”.

Gamal Eid, director da Rede Árabe dos Direitos Humanos, com sede no Cairo, diz que o estado dos direitos humanos no país “está pior do que era com Mubarak e com a Irmandade Muçulmana”. “O Estado egípcio era brutal em 2010, mas o actual ainda é mais”, concorda Michele Dunn, director do programa do Médio Oriente do think tank Carnegie Endowment. O Governo de Sissi, diz Dunn, ouvido pela Al-Jazira, conseguiu reconstruir “o muro de medo entre os cidadãos e o Estado”.

Desde a Lei dos Protestos nunca mais voltou a haver manifestações de grande dimensão. Mas segundo a ONG Democracy Meter, que monitoriza o movimento sindical, ao longo de 2015 houve 1117 protestos laborais em todo o país. E nos últimos dois meses, muitos saíram à rua em duas províncias em protesto pelas mortes do comerciante Talaat Shabib (Luxor) e de Afify Hosny, detido no interior da farmácia da sua mulher em Islamilia. Ambos terão sido torturados até à morte pela polícia.

O suficiente, ao que parece, para deixar o regime à beira de um ataque de nervos. “Por que é que eu oiço apelos para outra revolução? Por que é que vocês querem arruinar o Egipto? Eu vim porque vocês me escolheram, não apesar disso”, disse Sissi o mês passado num discurso a assinalar a morte de Maomé. “O Governo parece estar a ter um ataque de nervos com o medo de protestos”, diz à Time Mohamed Elmerrisi, que colabora com a Amnistia. “Isto mostra como o regime se vê a si próprio e como tem consciência da forma controversa como chegou ao poder.”

 

 

 

 

 

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