Da enorme utilidade do "voto inútil"
Só porque pode, vote em quem lhe apetece e porque sim. Verá que quase não dói nada que não doa já.
"Chegámos ao ponto em que colectivamente estamos fartos de tudo e individualmente fartos de estar fartos. Extraviámo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho.»
(Fernando Pessoa in "Sobre Portugal")
Dez candidatos na marcha de Marcelo pelo passeio da fama de tudólogo, onde os extremos se tocam, e uma campanha amena. Do lado oposto das sondagens, à cabeça dos "Outros", há um Sequeira – o dito "candidato motivacional" – que, com o mesmíssimo hedonismo acrítico, exibe o gáudio perante a sua própria capacidade de manipulação, sem um valor que se entreveja na plasticidade do seu discurso.
Ao microfone da TSF, Sequeira disse-se "otimalista", uma palavra que – por não existir – serviria na perfeição para a auto-caracterização de Marcelo, sobretudo na parte em que, anos a fio, estoicamente evitou o bronzeamento que denunciaria as passagens de ano no Brasil com banqueiros portugueses, pois cairia mal... Marcelo sabe que tudo quanto tem é a "embalagem" que o marketing televisivo nos vem vendendo há anos. O pior é que fala mesmo muito. Acaba por dizer o que pensa, nos raros momentos em que não lhe ocorre mais nada, como em Valongo (2008): “Para Portugal conseguir lutar pela lusofonia no mundo tem de lutar por dar a supremacia ao Brasil.” (sic).(1)
Aprendiz de Sócrates (o obreiro da eleição e re-eleição Cavaco), Costa bem tenta dar a vitória a Marcelo mas, sabendo da propensão deste para tiros-no-pé, urdiu o plano de contingência: levar ao colo o sinistro candidato da Maçonaria a uma eventual segunda volta. As televisões também conseguem "vender" actores de última-hora e lá anda o ser incógnito, ufano, anunciando a sua própria Boa-Névoa com potencial para bela nódoa. Esse passou um ano em Brasília, em “missão da UNESCO” (a mesma que nos transformou o fado em world music), e agita como progressista a bandeira de uma Educação absolutamente escavacada, mas ainda não ao ponto do analfabetismo funcional brasileiro, tão conveniente à manipulação de massas. Os partidos são já meras lógicas colaterais, muito secundárias, nos esquemas de tomada do poder.
Se Sócrates gozava de uma “Confiança no Mundo” metalúrgica e cefalópode, toda ela paraísos tropicais e fiscais, já o delfim teme os azares da democracia. Costa, ex-membro do painel da “Quadratura do Círculo”, acorreu a uma edição especial de aniversário da SIC Notícias (no passado dia 8) para pôr limites às questões de soberania lá citadas na véspera como essenciais ao exercício da Chefia do Estado, conseguindo meter os pés pelas mãos numa prepotência desesperada muito sua. Por exemplo, disse Costa: “Não, não teria tomado a iniciativa de fazer o 'acordo ortográfico'!” e “Não, não tomo a iniciativa de desfazer o 'acordo ortográfico'!” – eis quem se acha o actual capataz disto tudo para os donos de quase tudo, até do nosso mais relevante Património Cultural.
Maria de Belém apregoa o seu carácter. Neto faz-nos crer num tempo de anciãos da tribo e temer que desfaleça na cruzada; dos candidatos com estatura e perfil, poucos, é o único que mostra respeito pelos eleitores. Enquanto isso, ouve-se um ruído com sotaque regional, qual "música de elevador" às avessas, de uma confrangedora impreparação: duas cassetes, uma velha e gasta, a do padre Edgar, e outra, unipessoal, a do candidato anti-corrupção. E há mais. Mais três. Ena tantos!
Para variar, caro leitor, alinhe no "passeio dos alegres" de ir votar, na onda tão actual do "Só porque posso". Só porque pode, vote em quem lhe apetece e porque sim. Verá que quase não dói nada que não doa já.
1) Confirmei as várias declarações directamente com a jornalista (então estudante de Comunicação Social) autora das transcrições e da peça para o JPN (Jornalismo Porto Net), as quais deveriam ser por si mesmas impeditivas de uma candidatura à Presidência da República!
Médica, escritora e activista cívica