Efeito económico positivo das medidas tem de ajudar défice em 1000 milhões
Impacto directo das políticas que o Governo pretende aplicar no OE é negativo em 300 milhões de euros. Meta do défice depende da resposta da economia.
O cumprimento do défice de 2,6% projectado no OE para este ano está dependente em cerca de 1000 milhões de euros do efeito positivo, mas ainda incerto, que a política de reposição de rendimentos pode vir a ter na economia portuguesa, beneficiando os resultados orçamentais.
Olhando para as contas publicadas pelo Governo, podem encontrar-se pistas sobre a forma como se pretende chegar a um valor para o défice de 2,6% este ano, depois dos 4,2% que se deverão registar em 2015 (incluindo os 1,2% provocados pelo Banif).
Em primeiro lugar, o Governo faz uma estimativa de qual seria a evolução das contas públicas caso se optasse por não tomar qualquer nova medida. É o chamado cenário de políticas invariantes. O que aconteceria é que o défice cairia de 4,2% em 2015 para 3% este ano. Isto é, na prática seria uma redução de défice equivalente à despesa adicional que o Estado teve em 2015 com o Banif.
Depois, o Governo apresenta as medidas discricionárias que pretende adoptar no decorrer deste ano e estima o seu impacto no saldo orçamental. A contribuir pela positiva, por exemplo, estão o aumento de impostos (ISP, o Imposto sobre o Tabaco e Imposto de Selo) e a poupança prevista com o congelamento nominal das despesas de funcionamento do Estado e outras despesas sectoriais. Pela negativa, destaca-se o efeito orçamental directo da reposição mais rápida do valor dos salários da função pública ou a redução da sobretaxa de IRS.
Tudo junto, o impacto global das medidas discricionárias é negativo em 0,16% do PIB, um valor equivalente a cerca de 300 milhões de euros. Sendo assim, passa-se do défice de 3% resultante das políticas invariantes para 3,16%.
Ficam a faltar por isso, 0,56% do PIB, ou cerca de 1000 milhões de euros, para se conseguir atingir a meta proposta no OE. Como é que o Governo pretende chegar a esse valor?
Por um lado, fonte do Ministério das Finanças assegura que, para além das medidas listadas no esboço do Orçamento, há outras medidas de efeito positivo para o saldo orçamental, nomeadamente as poupanças no pagamento de juros decorrentes de medidas de gestão da dívida.
No entanto, em larga medida, a diferença de 0,56% do PIB que está por contabilizar é resultado daquilo que o Governo espera vir a ser o efeito positivo na actividade económica de algumas das medidas que irá aplicar. Por exemplo, na redução da sobretaxa, regista-se uma perda imediata de receita fiscal de 430 milhões de euros, mas existe a expectativa de que, com mais dinheiro no bolso, os portugueses consumam mais, estimulando a actividade económica e contribuindo para que o Estado obtenha receitas por outras vias, como o IVA.
Se este efeito será o suficiente para colocar o défice a 2,6% é a grande dúvida que só a execução orçamental ao longo do ano poderá resolver.
Para além disso, o Conselho de Finanças Públicas (CFP) emitiu um parecer sobre o cenário macroeconómico do Orçamento, em que mostra muito cepticismo em relação às projecções do Governo. A entidade liderada por Teodora Cardoso tem duas grandes dúvidas em relação às previsões do Governo. A primeira tem a ver com o que diz ser uma falta de prudência ao definir as hipóteses para a conjuntura internacional, algo que pode trazer surpresas para o andamento da economia nacional, em particular das exportações.
O CFP lembra a instabilidade que se vive nos mercados emergentes, assinala que parceiros económicos como a Espanha não vão acelerar e diz por isso não compreender como é que se pode apontar, como faz o Governo, para um crescimento da procura externa relevante de 4,3%, mais do que os 3,9% do ano passado.
Mário Centeno respondeu que os 4,3% são um número retirado directamente das projecções do Banco Central Europeu e que foi usado pelo Banco de Portugal para as suas previsões mais recentes. Diz ainda que, apesar desta evolução da procura externa, o Governo aponta para uma “projecção cautelosa” das exportações, que coloca a crescer 4,9%, menos que os 5,9% do ano passado. O Governo diz que isso acontece porque antecipa nas suas projecções um ganho de quota de mercado menor do que no ano passado.
A outra grande dúvida de Teodora Cardoso está relacionada com a inflação e com o efeito da evolução dos preços no PIB nominal (o deflator do PIB). O CFP diz que o Governo pode estar a apostar em valores demasiado elevados, que favorecem as projecções para a receita fiscal e beneficiam o cálculo do défice e da dívida, quando este é medido em percentagem do PIB. O Governo argumenta que o deflator do PIB é fortemente influenciado pelo aumento salarial da função pública e assinala que a recuperação da procura interna vai aumentar as pressões inflacionistas em Portugal.
O CFP discorda. Diz que se os preços aumentarem em Portugal, o que acontece de imediato é que os bens importados baratos ficam mais competitivos e contribuem imediatamente para conter a inflação.
O diálogo prolonga-se porque do lado do Governo defende-se que há vários outros motivos para que as importações não aumentem apesar da inflação, nomeadamente o facto de o aumento do rendimento sentir-se junto da população com rendimentos mais baixos, o que significa que o consumo irá transferir-se de bens duradouros (como carros) para bens não duradouros, que têm um menos conteúdo importado.
Resultado final deste debate: o CFP diz que as previsões do OE apresentam “riscos relevantes” e “pouca prudência” e Mário Centeno responde que ” todos os exercícios de previsão têm riscos” e que este até é “muito cauteloso”.