Jurista favorecido por arguido do caso vistos gold nomeado para o Conselho de Ministros

Luís Goes Pinheiro, militante do PS, foi apanhado em escutas com António Figueiredo, que estava a ajudá-lo a conseguir um lugar de chefia no Estado. Goes Pinheiro não é arguido e nega ter pedido ajuda.

Discos rígidos, pens e telemóveis estão entre os aparelhos que o PS quer taxar
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Discos rígidos, pens e telemóveis estão entre os aparelhos que o PS quer taxar Steve Marcus/Reuters
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O recém-nomeado chefe de gabinete do secretário de Estado do Conselho de Ministros é um jurista apanhado nas escutas do processo dos vistos gold.

Luís Goes Pinheiro tinha concorrido a vários cargos dirigentes da administração pública, no início de 2014, quando recebeu um telefonema do presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo, a dizer-lhe que ia dar “uma indicaçãozinha” em seu favor a um membro da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). Figueiredo, que é o principal arguido do processo dos vistos dourados, referia-se a Maria Antónia Anes, arguida no mesmo processo e então amiga da ministra da Justiça, com quem trabalhava. Das escutas feitas pela Polícia Judiciária percebe-se que tanto neste como noutros casos a então secretária-geral do Ministério da Justiça manipulou vários concursos na Cresap, violando o segredo a que estava obrigada para passar informação privilegiada aos amigos que queria ver a dirigir a administração pública.

Luís Goes Pinheiro, que conhecia António Figueiredo há cerca de uma década, foi informado neste telefonema de Janeiro de 2014 pelo presidente do IRN que podia contar não com uma mas com duas “cunhitas” a seu favor nos concursos para vice-presidente e para vogal da direcção deste instituto. Tanto ao longo desta como de duas outras conversas que manteve com António Figueiredo, o tom de Luís Goes Pinheiro – que nunca foi constituído arguido neste processo, tendo sido ouvido pelas autoridades apenas na qualidade de testemunha – foi sempre de satisfação relativamente às manobras em curso que lhe eram relatadas para o fazer vencer o concurso da Cresap. A 7 de Fevereiro de 2014 este militante socialista de 41 anos – cujo vasto currículo incluía ter trabalhado com alguns governantes no passado, como João Tiago Silveira no Ministério da Justiça, onde chegou a dirigir um instituto, e Maria Manuel Leitão Marques da primeira vez que esta esteve na Modernização Administrativa – vai a duas entrevistas na Cresap. A primeira, da parte da manhã, para "vice" de António Figueiredo, e a segunda, da parte da tarde, para seu vogal. Pelo meio, recebe indicações do presidente do IRN sobre como se deve comportar à tarde, uma vez que a sua performance da manhã não foi muito apreciada. Tem de “ser mais objectivo e levar propostas concretas” sobre o funcionamento do instituto. Pode, por exemplo, falar da ocupação, pelas conservatórias, dos espaços dos tribunais que vão ser extintos dali a meses. O jurista aproveita para pedir mais dicas sobre o funcionamento do instituto.

Depois da segunda entrevista, António Figueiredo diz-lhe que desta vez se saiu bem, que “está tudo controlado”. “Isto está tudo controlado, 'tá tudo controlado”, repete-lhe, a rir-se. “Já vi que sim, seu maroto”, ri-se também o futuro chefe de gabinete do secretário de Estado do Conselho de Ministros, que informou o júri da Cresap da sua amizade com António Figueiredo.

Confrontado esta terça-feira com o teor das escutas, Luís Goes Pinheiro assegura que nos quatro concursos a que se candidatou na altura chegou sempre a finalista sem nunca ter contactado, directa ou indirectamente, qualquer membro do júri. E diz que sempre viu nos telefonemas do presidente do IRN meras conversas de cortesia, e não manobras para o favorecer. Só ficou “surpreendido” e “incomodado” quando percebeu que António Figueiredo estava a par da sua prestação nas entrevistas, mas garante que nessa altura até já tinha perdido o interesse nos lugares a que concorria, uma vez que afinal ia ser reconduzido no cargo de secretário-geral da Ordem dos Solicitadores, que tinha ocupado até aí. Estranha, porém, o termo “maroto” que surge na sua boca nas escutas: diz que não tinha intimidade suficiente com o seu interlocutor para usar semelhante expressão. “António Figueiredo soube das minhas candidaturas ao IRN por terceiros e não por mim. Nenhum destes contactos foi promovido ou estimulado por mim, sendo certo que ninguém consegue controlar aquilo que os outros lhe dizem”, declara ainda o jurista, que acabou por não ser escolhido para nenhum dos lugares a que se candidatou.

A ministra Paula Teixeira da Cruz havia, porém, de reconduzir os dirigentes que já ocupavam aqueles cargos no IRN, apesar do seu vasto currículo, que Maria Antónia Anes até elogiara da seguinte forma: “Se eu estivesse a fazer isto limpinho não tinha dúvidas nenhumas”.  

Contactada pelo PÚBLICO sobre a situação, a Presidência do Conselho de Ministros limitou-se esclarecer que já sabia o que era “do conhecimento público”: “Que um dos arguidos terá falado com o dr. Luís Goes ao telefone”.

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