Em Flint, no Michigan, a água que sai da torneira é lixo tóxico
Obama declarou estado de emergência. Durante ano e meio, governador republicano ignorou emergência ambiental, para poupar dinheiro.
A água que sai das torneiras de Flint mete nojo. É castanha ou alaranjada, por vezes espessa como um pudim que ainda não solidificou. E é tóxica: tem, pelo menos, altas concentrações de chumbo, um metal pesado. O Presidente norte-americano Barack Obama declarou o estado de emergência nesta cidade do Michigan neste fim-de-semana, a pedido do governador – que durante mais de ano e meio se esforçou por ignorar o desastre ambiental nesta cidade de 100 mil habitantes.
A cantora Cher juntou-se a uma marca de água mineral para oferecer 181 mil garrafas de água a Flint. “isto é uma tragédia de proporções devastadoras e é chocante que se esteja a passar no meio do nosso país”, afirmou a cantora de 69 anos. O realizador Michael Moore – que é de Flint – já esteve na cidade, para participar numa manifestação de protesto, a exigir que Obama vá ver a situação com os próprios olhos e que o governador Rick Snyder se demita. “Ele sabia que havia toxinas, poluentes e chumbo a contaminar a água e a chegar às torneiras dos residentes.”
Os problemas com a água de Flint começaram em 2014: devido aos seus problemas financeiros, a cidade estava sob controlo de um gestor nomeado pelo estado do Michigan, cuja missão principal era cortar e poupar dinheiro, para tentar pôr as contas em ordem. Como Flint era o município que mais pagava pelo consumo de água, foi tomada a decisão de se desligar do sistema de Detroit (que fica a cerca de 100 km para Noroeste) e passar a abastecer-se no rio Flint. Tudo para poupar dinheiro.
Só que a água do rio não era limpa: era altamente corrosiva para as velhas canalizações de Flint, que começaram a desfazer-se, lançando na água quantidades tóxicas de chumbo. Por isso a água fica espessa e com uma cor que assusta.
Em breve os moradores começaram a queixar-se de alergias na pele, dores de cabeça – e até queda de cabelo, o que indicia uma intoxicação crónica por chumbo. Anemia, cancro e problemas neurológicos fazem parte do quadro de doenças causadas pelo envenenamento por chumbo.
Em Setembro passado, cientistas da universidade Virginia Tech descobriram que a água que saia das torneiras em Flint tinha tanto chumbo que já não era água – podia ser considerada “lixo tóxico”, relata a revista Time.
Antes disso, uma moradora tinha pedido à Agência para a Protecção do Ambiente (EPA) dos EUA para testar os níveis de chumbo da água que chegava a sua casa: o resultado foi 104 partes por milhar de milhão de moléculas. A EPA obriga a fazer controlo da poluição se encontrar um emissor de 15 partes por milhar de milhão. Um relatório da EPA que foi divulgado por vias não oficiais concluía que Flint não tomou quaisquer medidas para tentar evitar a corrosão das canalizações.
Os vereadores de Flint votaram a favor de restabelecer a ligação com o abastecimento de água de Detroit, mas o gestor nomeado pelo estado do Michigan recusou-se a fazê-lo. Aliás, da capital do estado, chegaram apenas declarações apaziguadoras: “Quem está preocupado com o chumbo na água de Flint pode relaxar”, disse um porta-voz do governo estadual.
Só que em Outubro, foi detectado um nível elevadíssimo de chumbo no sangue de algumas crianças de Flint – contra isto não houve argumentos. Os serviços de saúde declararam uma situação de emergência e o governador viu-se obrigado a voltar atrás, anunciando planos para voltar a ligar a cidade ao sistema de abastecimento de água de Detroit, o que aconteceu no fim desse mês.
A partir daí, o cenário inverteu-se. O responsável pelo ambiente no estado do Michigan admitiu que foi usado um padrão incorrecto de controlo da corrosão para o tratamento da água de Flint, e vários moradores da cidade avançaram com um processo federal contra o governador e outros dirigentes. Mesmo no fim do ano, o republicano Rick Snyder pediu desculpa pelo que aconteceu. A 5 de Janeiro declarou estado de emergência e mobilizou a Guarda Nacional para Flint – onde agora está a distribuir água engarrafada.
O procurador-geral do Michigan, entretanto, anunciou ter aberto uma investigação sobre a gestão da crise da água potável em Flint.
O governador apelou ainda ao Presidente Obama para que declarasse também estado de emergência, para ter o auxílio da Agência Federal de Gestão das Emergências (FEMA) e esperando ter acesso a mais fundos – tinha pedido 31 milhões de dólares. Obama acedeu a mobilizar a FEMA, mas apenas deu luz verde a canalizar cinco milhões de dólares para responder a esta tragédia criada pelo homem no Michigan.