Téa Leoni, a secretária de Estado da televisão americana

Madam Secretary é o regresso de Téa Leoni à televisão. A actriz desvaloriza as associações a Hillary Clinton, mas concorda com Madeleine Albright: a série "está a ajudar a tornar a política externa menos estrangeira".

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A ex-secretária de Estado Madeleine Albright já fez uma aparição num dos episódios da série CBS BROADCASTING INC.
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Morgan Freeman, produtor da série, realizou o primeiro episódio da segunda temporada, em que também aparece CBS BROADCASTING INC.
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CBS BROADCASTING INC.

Depois de 16 anos ausente da televisão, apenas com participações pontuais numa série ou noutra, foi o papel de secretária de Estado do governo norte-americano que a convenceu a regressar aos holofotes. Com a segunda temporada a meio, Téa Leoni não tem dúvidas de que Madam Secretary foi a aposta certa para relançar a sua carreira. Falámos com a actriz sobre este drama político, já elogiado pela ex-secretária de Estado Madeleine Albright – que até fez um cameo num episódio.

Leoni, de 49 anos, quer fugir aos clichés. Não quer dizer que Madam Secretary, actualmente na segunda temporada, é melhor ou mais realista do que outras séries do género. Mas o seu juízo não anda muito longe disso. “É uma treta dizer estas coisas”, admite a actriz norte-americana numa entrevista telefónica que, além do PÚBLICO, incluiu jornalistas do Canadá, da Croácia, da Espanha e do Reino Unido. “Mas eu penso realmente que procuramos a verdade por trás das pessoas que estão dispostas a dar tudo o que têm, incluindo uma espécie de integridade grandiosa”, diz, questionada pelo PÚBLICO.

Leoni refere-se principalmente à sua personagem, a protagonista da série que em Portugal é exibida às segundas-feiras no TVSéries. Ela é Elizabeth McCord, uma antiga analista da CIA que se demite do cargo por razões éticas e decide dedicar-se ao ensino. McCord vive um casamento feliz com Henry (Tim Daly), também professor, e passa parte do seu tempo na quinta a cuidar dos dois filhos. Está muito longe de sonhar com uma carreira política – até ao dia em que o secretário de Estado morre num acidente de avião e o Presidente dos Estados Unidos, Conrad Dalton (Keith Carradine), que no passado a havia treinado para a CIA, a convence a ocupar o cargo.

E é aí que Téa Leoni aponta a principal diferença da série quando comparada com dramas políticos como House of Cards, produção da Netflix protagonizada por Kevin Spacey e Robin Wright. Elizabeth McCord é muito determinada mas não tem qualquer ambição política, uma realidade não muito distante da sua. “Ela não foi política toda a vida. Tive de tornar a Elizabeth parecida comigo, em vez de tentar tornar-me parecida com ela”, explica Leoni.

O lado político da história, sublinha, obrigou-a a uma aprendizagem: “Estou a ficar melhor. Tem sido mais fácil. Consigo hoje atirar termos políticos mais rápido do que há um ano e meio." Madam Secretary, acrescenta, mudou a sua própria percepção do exercício da política: “Eu não sabia o quão difícil era. A sério, as horas que os nossos políticos de topo passam [a trabalhar] e toda a gente que os rodeia... São provavelmente 20 horas por dia”, nota Leoni, para quem é “interessante ver quantas vezes alguém numa posição como a da secretária de Estado é confrontado com questões que desafiam a sua integridade”. “Pomos estas pessoas debaixo de um escrutínio tal... Pedimos-lhes para fazerem o impossível, para serem humanos e inumanos ao mesmo tempo”, diz a actriz, contando que o lado familiar de Elizabeth McCord foi o mais simples de representar, por não lhe ser uma realidade estranha.

Nem agenda nem partido

Os anos que Téa Leoni ficou afastada do ecrã foram uma escolha sua. Convites para televisão e cinema não lhe faltaram, mas a actriz optou por ficar em casa a tomar conta dos seus dois filhos, de 12 e 15 anos, fruto do casamento com o actor David Duchovny – os dois divorciaram-se em 2014. Téa Leoni está agora numa relação com o seu parceiro de série, Tim Daly.

Para a actriz, é motivo de orgulho regressar à televisão depois de The Naked Truth (1995-1998), com uma série que não se fica apenas pelas relações de poder e na qual a protagonista consegue manter, a par da sua bem-sucedida carreira profissional e política, um bom ambiente em casa. “É uma sorte ver esta mulher, que é uma das dez pessoas mais poderosas do mundo, chegar a casa e tentar não queimar as panquecas. Esta justaposição é o que está a divertir as pessoas”, defende Téa Leoni. Mas Madam Secretary distingue-se também por não alinhar no tom de “cinismo descarado com que alguns dramas políticos jogam”. “E eu certamente não os culpo. É tentador. Nesse aspecto, a política dá pano para mangas”, reconhece, explicando que às vezes discute o assunto com os argumentistas. 

"Eu não quero que a Elizabeth seja falsa. Nunca quis que a Elizabeth tivesse uma atitude do género ‘eu estou certa e eles são malucos’”, responde ao PÚBLICO, dando um exemplo específico: “Havia um momento em que a Elizabeth falava da desumanidade do terrorista. E eu disse que não queria. Ela pode falar da desumanidade do terrorismo, mas esta ideia, este juízo de valor com que outras pessoas gostam de jogar... Eu não concordo.”

A ideia para Madam Secretary surgiu de um encontro entre a produtora Lori McCreary e o actor Morgan Freeman, aqui também produtor. Os dois desafiaram a presidente do canal CBS, Nina Tassler, a apostar numa série construída numa personagem feminina muito forte. A resposta foi positiva mas faltava ainda a história, que surgiu pouco tempo depois, quando McCreary viu a então secretária de Estado da Administração Obama, Hillary Clinton, testemunhar no Senado sobre o atentado de 2012 ao consulado dos EUA em Bengasi, na Líbia – que resultou nas mortes do embaixador Christopher Stevens e de quatro outros cidadãos norte-americanos.

Com a vaga ideia de fazer uma série que girasse em torno da secretária de Estado, McCreary e Freeman – que entretanto realizou o primeiro episódio da segunda temporada, em que também aparece – chamaram para a equipa Barbara Hall, produtora executiva de séries como Segurança Nacional. E Hall fez o resto, tanto que é ela a criadora de Madam Secretary.

Quando questionada sobre a desigualdade de género em Hollywood, a propósito do seu papel que vem contrariar os números, Téa Leoni diz não fazer as contas. Tem noção de que ainda há um caminho a percorrer, mas destaca como em 30 anos tudo está a mudar no meio audiovisual. “Espero que paremos de ter esta conversa e que cheguemos a um ponto em que vamos olhar para trás a rir e a dizer como era engraçado estarmos tão atentos a isso.”

Das comparações com Hillary Clinton é que Leoni não se livra (nem a série, que já foi acusada de ser "apenas propaganda" favorável à candidata à presidência dos Estados Unidos). A actriz já chegou até a dizer que pintará o cabelo de castanho para que se perceba de uma vez por todas que Clinton foi uma inspiração para o tema da série, mas não para a personagem. “O facto de Elizabeth não ter uma carreira política permite-nos uma deriva. Ela não tem uma agenda. Não faz parte de um partido. Se repararem, nesta série nunca dissemos a palavra 'Republicano' nem a palavra 'Democrata'”, explica. “O melhor elogio que já tivemos veio de Madeleine Albright [secretária de Estado entre 1997 e 2001] que disse que a série está a ajudar a tornar a política externa menos estrangeira. Penso que é verdade e adoro essa ideia.”

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