Vítimas do teste da Bial em França com indemnização garantida
Cinco vítimas internadas encontram-se estáveis. Autoridades francesas abriram três investigações ao caso.
As cinco vítimas, uma das quais em morte cerebral e outras quatro com lesões neurológicas de diversas gravidades, têm garantida uma indemnização pelos danos sofridos no ensaio clínico realizado em Rennes, França, e que testava uma nova molécula do laboratório português Bial. Isto porque a autorização do próprio ensaio, aprovado pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento francesa, em Junho passado, depende da existência de um seguro de responsabilidade civil, para cobrir os danos sofridos pelos voluntários que participam neste tipo de testes.<_o3a_p>
O presidente do Centro de Direito Biomédico, André Dias Pereira, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, explica que a realização de ensaios clínicos implica a contratação de seguros obrigatórios. “Em Portugal, quando acontece um evento adverso que afecta um voluntário de um ensaio presume-se que a causa daquele problema foi o teste. Não é preciso provar que houve culpa de ninguém”, afirma o especialista, responsável por uma pós-graduação em Direito da Investigação Clínica. “Em França, ao que sei, também há a chama responsabilidade objectiva”, acrescenta.<_o3a_p>
André Dias Pereira diz que os montantes dos seguros são “substanciais” e andam na ordem das “centenas de milhares de euros”. O professor universitário afirma que este tipo de actividade tem sempre um risco associado, mas sublinha que esse é o custo da evolução da ciência. “O ensaio clínico do medicamente é muito importante. Só assim se conseguem medicamentos novos e se evolui”, realça, notando que esta é uma área “muito cuidadosamente” regulamentada. “Todos os testes têm que ser autorizados por comissões de ética e por peritos”, lembra.<_o3a_p>
O também membro da Comissão de Ética para a Investigação Clínica, a entidade independente constituída por profissionais de saúde e outros responsáveis por garantir a segurança e o bem-estar dos participantes nestes estudos, assegura que se fosse previsível que os voluntários submetidos a este teste corressem risco de vida ou de danos cerebrais o ensaio não teria sido autorizado. André Dias Pereira explica que noutras fases dos ensaios, essencialmente na III e na IV, mesmo com casos mortais, os ensaios podem ser mantidos. “Quando se testam medicamentos em doentes terminais de cancro e não existem outras opções terapêuticas”, exemplifica.
<_o3a_p>Para que serve a molécula da Bial?<_o3a_p>
O universitário sublinha que é “quase um milagre haver novos medicamentos” e lembra que por cada remédio novo que chega ao mercado “há milhares que ficaram na gaveta por falta de eficácia, segurança, entre outros motivos”. Adianta ainda que na Europa se está a caminhar cada vez mais na transparência deste tipo de estudos, estando em preparação um site que divulgue publicamente um registo europeu de ensaios clínicos, um mecanismo existente há vários anos nos Estados Unidos.<_o3a_p>
Paula Lobato Faria, professora de Direito da Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, diz que as investigações em curso serão essenciais para perceber o que se passou e como se podem evitar casos como estes no futuro. Apesar de ser uma área controlada, a especialista nota que, nem sempre, as regras são cumpridas. E recorda casos em que os voluntários receberam uma dose excessiva da substância que estava a ser testada e outros em que o consentimento que deram não foi devidamente informado. <_o3a_p>
O estado dos seis voluntários (um encontra-se internado apenas por precaução, mas não apresenta sintomas) permanecia neste sábado “estável”, segundo o jornal diário Ouest France, editado a partir de Rennes. No entanto, contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Bial disse não ter informações já que, neste momento, estão a decorrer diversas investigações para perceber o que se passou.
Ao todo, segundo a AFP, estão a correr três inquéritos distintos ao ensaio de fase I realizado pela Biotrial, a empresa contratada pelo laboratório português para conduzir o ensaio. Estes testes são os primeiros realizados em humanos – após anos de estudos laboratoriais e com animais – tendo como objectivo a análise da segurança e toxicidade do fármaco em pessoas saudáveis.
<_o3a_p>Perguntas e respostas sobre ensaios clínicos<_o3a_p>
Um dos inquéritos está a ser conduzido pelo Ministério Público, outro pela Inspecção-Geral dos Assuntos Sociais, liderada pelo Ministério da Saúde, e um terceiro pela agência francesa do medicamento. Na sexta-feira e neste sábado foram feitas várias buscas no local para recolha de dados. O objectivo é determinar se o acidente, já considerado “inédito” pela ministra francesa da Saúde, Marisol Touraine, tem origem na molécula que estava a ser testada ou em algum procedimento feito durante o próprio ensaio.<_o3a_p>
Os investigadores e inspectores estão a olhar para a “forma como se desenrolou o ensaio (…) para tentar compreender o que se pode ter passado e como chegou a uma situação trágica”, adiantou o director-geral da Biotrial, François Peaucelle, numa conferência de imprensa. <_o3a_p>
“Permanecemos no quadro de acontecimentos imprevisíveis, inexplicados e inexplicáveis”, acrescentou o responsável da Biotrial, depois da saída dos vários inspectores que estiveram nos laboratórios da empresa. “Os inspectores fizeram várias entrevistas e interrogaram um certo número de pessoas que intervieram no projecto, olharam para vários documentos, para analisares como os procedimentos de desenvolvimento do estudo tinham sido seguidos”, disse. Peaucelle defendeu depois que “a Bial é um laboratório sério, reconhecido”, justificando que os responsáveis da farmacêutica só não estiveram na conferência de imprensa por estarem a dar resposta aos vários pedidos dos inquéritos.<_o3a_p>
No total, nesta fase do ensaio, com as doses mais elevadas da molécula, foram submetidos ao tratamento seis homens com idades entre os 28 e os 49 anos – houve mais dois participantes a quem foram administrados placebos.<_o3a_p> com Romana Borja-Santos