São José já tinha recebido ordem para transferir doentes que não conseguia tratar
Foi em Julho que a ERS disse que aos fins-de-semana os doentes com ruptura de aneurisma cerebral que chegassem ao Hospital de São José deviam ir para outras unidades hospitalares. Regulador decidiu averiguar o que se passava após notícia de jornal, mas arquivou inquérito
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) recomendou ao Hospital de São José, em Lisboa, no início de Julho último, que transferisse os doentes com ruptura de aneurisma cerebral para outras unidades com recursos para fazer o tratamento ao fim-de-semana. Isto, face à incapacidade do hospital de, aos fins-de-semana, fazer a intervenção necessária nesta situação complexa, por não haver equipas de especialistas de prevenção devido aos cortes nas horas extraordinárias.
A ERS decidiu averiguar o que se passava no São José na sequência da publicação, em Janeiro, de uma notícia que dava conta do problema. Um problema que só agora foi solucionado por ordem dos actuais responsáveis do Ministério da Saúde, depois de terem sido conhecidas as circunstâncias da morte de um jovem de 29 anos que não resistiu a uma hemorragia cerebral, após a ruptura de um aneurisma, enquanto aguardava por tratamento no Hospital de São José.
Transferido do hospital de Santarém para o de São José ao fim da tarde de sexta-feira 11 de Dezembro, David Duarte ficou à espera de tratamento na segunda-feira seguinte, nos cuidados intensivos. Acabou por morrer na madrugada de 14 de Dezembro, enquanto aguardava.
Apesar da recomendação de transferência neste tipo de situações, a ERS decidiu arquivar este inquérito. E uma das razões que pesaram na decisão foi o facto de o Centro Hospitalar de Lisboa Central (que inclui o São José) lhe garantir que os casos de risco imediato de vida eram resolvidos pelas equipas de neurocirurgia de urgência presentes 24 sobre 24 horas. A decisão da ERS foi publicada esta segunda-feira no seu site.
O CHLC demonstrou também, destaca a reguladora, que a Via Verde de AVC estava a funcionar regularmente e assegurava que as pessoas admitidas por hemorragia cerebral, “no contexto de hemorragia cerebral por ruptura de aneurisma”, tinham cuidados “conforme as recomendações”. Estes doentes são internados em unidades de cuidados intensivos, permitindo-se assim “uma permanente monitorização e avaliação da sua evolução”, frisava.
Porém, para o consultor da ERS ouvido sobre esta questão não havia dúvidas: face à inexistência de recursos humanos permanentes e de a sua concretização depender de voluntarismo, o São José não apresentava condições para o mais adequado tratamento de doentes para a clipagem de aneurisma (colocação de clipes de titânio para impedir nova hemorragia), pelo que, quando há indicação para esta intervenção, “o doente deverá ser transferido para unidade com esses recursos”.
Uma transferência que não aconteceu no caso de David Duarte, não se percebeu ainda porquê (o caso está em investigação pela inspecção da Saúde e pelo Ministério Público). Soube-se, entretanto, que o São José não terá tentado contactar pelo menos o hospital mais próximo, o de Santa Maria, segundo as declarações feitas na semana passada pelo presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (a que pertence o Hospital de Santa Maria) ao Correio da Manhã. “Tenho a confirmação dos serviços do hospital de que não fomos contactados para recebermos o jovem”, disse Carlos Martins.
Solução apresentada à tutela
A notícia que deu origem à abertura de um inquérito na ERS especificava de forma clara que havia doentes que entravam no Hospital de São José a partir das 16h00 de sexta-feira com ruptura de aneurisma cerebral e que eram obrigados a aguardar até segunda-feira para serem tratados.
O CHLC confirmou, na resposta enviada à ERS em Abril, que a prevenção aos fins-de-semana da neurocirurgia vascular estava suspensa desde 2014, e a da neurorradiologia de intervenção desde 2013, sendo estas as especialidades que podem fazer os dois tratamentos possíveis em caso de ruptura de aneurisma cerebral (cirurgia ou embolização através de cateter).
Sem equipas de prevenção ao fim-de-semana, o CHLC explicava que instituíra então como prática “manter os doentes sob activas medidas de controlo clínico e terapêutico até ao tratamento específico do aneurisma”. E assegurou à ERS: “As situações que configuram risco imediato de vida são resolvidas pelas equipas de neurocirurgia de urgência”.
O centro hospitalar garantia ainda que tinha preparado já uma proposta para enviar à tutela, de forma a que o trabalho das equipas de especialistas preparadas para intervir nestas situações complexas fosse reactivado e explicava que as transferências para outras unidades estavam “limitadas” pela complexidade da mobilização e transporte na fase aguda da hemorragia por ruptura de aneurisma, “com instabilidade neurológica e geral”.
Adiantava igualmente que tinha solicitado uma reunião à tutela para apresentar o acordo a que chegara com as equipas em questão, face à “complexidade e aos custos inerentes”, asseverando desta forma que estavam a ser envidados todos os esforços para que fossem reiniciadas as escalas de prevenção.
Alegava, por outro lado, que havia neurocirurgiões em permanência 24 sobre 24 horas no São José e que, mesmo assim, era comum, em situações de emergência, o contacto com outros hospitais, incluindo o de Santa Maria. Mais: o CHLC destacava que não tinha conhecimento de situações fatais ou de sequelas graves, nem sequer de reclamações devido a este problema. A ERS acrescentava, a propósito, que também não tinha recebido qualquer reclamação nesse sentido, até essa data.