Uma pessoa pouco comum
Paulo Portas não é uma pessoa comum. Para o bem e para o mal. A sua invulgaridade como político teve diversos momentos.
Quando subiu ao palco do XIV Congresso do CDS, em Coimbra, no distante Março de 1996, para proferir o seu primeiro discurso como militante do CDS, Paulo Portas deu provas de que não estava ali para ser um político comum. Nas barbas do carismático líder do CDS de então, Manuel Monteiro, Portas não hesitou em elogiar o seu ídolo político, Francisco Sá Carneiro. É certo que não terá sido apenas a referência de Portas ao fundador do PPD-PSD que levou Monteiro a sair porta fora da sala do congresso, abandonando os trabalhos para ir “beber café”.
A verdade é que as pressões sobre Monteiro em relação à orientação a imprimir ao CDS e às relações deste com o Governo do socialista António Guterres eram imensas já antes do congresso e que Portas, como deputado independente desde Outubro de 1995, era um dos protagonistas de uma estratégia de colaboração com o Governo do PS que acabaria por desembocar nos “Orçamentos limianos”. Mas Portas deixou claro naquele palco que não se subordinava a ninguém, nem a nenhum líder.
E iniciou um percurso oficial como dirigente que, dois anos depois, em Março de 1998, o levaria a ganhar o partido à candidata a sucessora indigitada por Monteiro, Maria José Nogueira Pinto, no Congresso de Braga. Um percurso oficial, que na realidade começara informalmente anos antes, quando o CDS foi conquistado, em Março de 1992, no Congresso do Altis, pelo grupo que derrubou o candidato da continuidade de Freitas do Amaral, Basílio Horta. Apoiado explicitamente por uma única referência do partido, Nuno Krus Abecasis, os jovens liderados por Monteiro, ficaram para a história como o grupo dos cinco — Manuel Monteiro, Jorge Ferreira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Luís Nobre Guedes e Luís Queiró —, mas que, de facto, tinha um sexto elemento que nem sequer era militante do CDS: Paulo Portas, então director de O Independente.
Paulo Portas não é uma pessoa comum. Para o bem e para o mal. A sua invulgaridade como político teve diversos momentos. Nalguns deles marcou o país e, sobretudo, determinou aquilo que foi o CDS, mesmo antes de ser líder, ou seja, logo desde 1992, quando era o dirigente na sombra. Como muitos políticos, teve como objectivo estratégico central o exercício do poder governativo. Afinal, a tarefa última de um político é a gestão da polis.
A conquista do poder governativo fê-lo alterar tácticas, alterar ideias, alterar até ideais. O seu objectivo de ser governo surge associado ao seu perfil de estadista — um lado seu que assumiu sempre com uma invulgar teatralidade e emoção aparente, tendo criado um estilo próprio em que se mostra grávido de Estado e empanturrado de interesse nacional.
A apetência pelo institucionalismo não o fez nunca perder o apetite pela política de bastidores, mesmo pela manipulação quando necessitou dela. Neste aspecto, o conhecimento anterior do que era o jornalismo e o processo de produção de um jornal ajudaram-no até por vezes a “orientar” notícias — destaque-se o caso em que o denunciei como fonte de informação das notícias do PÚBLICO que o apontaram como candidato a Presidente da República em vésperas do congresso de 2000 (27 de Março 2000).
Foi antieuropeísta e depois europeísta (embora sem ser da noite para o dia, como tem sido dito). Foi anti-Cavaco e cavaquista, colaborando e desenvolvendo uma relação institucional peculiar com o Presidente Cavaco quando foi ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro. Foi anti-PSD e coligou-se ao PSD por duas vezes para governar o país, ensaiando primeiro um acordo com Marcelo Rebelo de Sousa que terminou por causa das suspeitas que sobre si recaíram no caso Moderna. Aliás, as notícias sobre seu alegado envolvimento em casos de corrupção têm acompanhado o seu percurso. Depois das suspeitas no caso da Universidade Moderna, Portas foi apontado como eventual responsável por negócios escusos em torno da compra de submarinos quando foi ministro da Defesa.
O seu objectivo de exercer o poder e a sua invulgar visão estratégica levaram-no até a arriscar tudo em 2013 e a ganhar a jogada de alto risco que foi a sua demissão “irrevogável”. Impôs uma mudança de orientação do Governo PSD-CDS num sentido menos radicalizado na política fiscal e mais protector da economia e dando ao CDS um maior peso no Governo.
Agora, aos 53 anos, depois de ter sido um principais responsáveis da governação durante a intervenção dos credores (2011-2014) — que baptizou de “protectorado” —, retira-se da liderança do partido cuja vida determinou nos últimos 23 anos. É certo que dificilmente Portas voltará à liderança do CDS — já o fez uma vez, em 2007 —, mas é ainda mais improvável que alguma vez deixe de ser um político e um estadista. Daí que este homem pouco comum, nos mais de 20 anos de vida útil para a política que ainda tem pela frente, possa ser tudo. Incluindo Presidente da República.