Maduro tenta impedir que todos os deputados da oposição tomem posse

Coligação que alcançou a maioria absoluta nas legislativas de Dezembro promete desrespeitar providência cautelar interposta pelo regime chavista

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No fim de 2015, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou nova legislação laboral e a impugnação dos resultados das legislativas Jorge Dan Lopez /REUTERS

A dois dias da tomada de posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela, ainda não há certezas sobre o número de deputados que vão compor a bancada maioritária do Parlamento – que pela primeira vez, em mais de 16 anos, será assegurada pela oposição ao Presidente Nicolás Maduro, vencedora das legislativas de 6 de Dezembro, com 64% dos votos.

A Mesa da Unidade Democrática (MUD), a grande coligação que reúne os partidos e movimentos que da esquerda à direita fazem oposição ao “oficialista” Partido Socialista Unido da Venezuela, garante que a 5 de Janeiro, os seus 112 deputados vão apresentar-se para assumir os mandatos, incluindo aqueles cuja posse está suspensa por uma providência cautelar decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça na véspera de Ano Novo.

Numa manobra judicial que a oposição denunciou como “um golpe de Estado encoberto”, o Governo avançou para os tribunais para impugnar os resultados de uma série de circunscrições em pelo menos três estados, e assim travar – ou pelo menos atrasar – a entrada em funções de dez deputados da oposição. Esse seria o número suficiente para evitar que a maioria absoluta da MUD ascendesse a dois terços do Parlamento a fasquia necessária para a aprovação de reformas constitucionais, para a convocação de referendos e para a censura de deputados.

Os recursos foram aceites pelo Supremo Tribunal de Justiça, cuja decisão, após a análise de cada caso individual, pode passar pela repetição da votação. Mas como esse processo pode demorar algum tempo, o Supremo deu deferimento, a título de medida cautelar, a um “pedido de suspensão da proclamação” de todos os deputados eleitos pelo estado do Amazonas: três membros da MUD e um membro do PSUV. É essa providência que a oposição promete desrespeitar.

Em comunicado, a MUD criticou a decisão do tribunal e sublinhou que os seus eleitos consideravam suficiente a “força da Constituição, a força da lei e a força do povo” para assumir o cargo. “Foi a burocracia derrotada pela legítima decisão do povo que se colocou à margem da lei, da Constituição e do sentido comum. Aqui não estamos em presença de nenhum confronto entre o poder judicial e o poder legislativo, mas de um conflito aberto com o poder do povo que usou o seu voto para decidir pela mudança.”

Apelos aos militares

Antecipando problemas na jornada inaugural da nova legislatura, a MUD  foi pedir às Forças Armadas para intervir se necessário, para assegurar o respeito pelo processo democrático e a decisão popular expressa nas urnas. Entretanto, foram enviadas cartas às Nações Unidas, à Organização dos Estados Americanos, União Europeia, Unasur e Mercosul, alertando para as acções do Governo, “que se prepara para ignorar os resultados eleitorais que reiteradamente se comprometeu a respeitar” e “assim alterar a composição do novo Parlamento”.

Em artigo para o El País, Felipe González, ex-presidente do Governo espanhol,que ao lado de outros antigos líderes latino-americanos tem criticado o tratamento da oposição, classificou a impugnação selectiva dos resultados eleitorais como uma “manobra tosca para impedir que haja um poder legislativo que represente a vontade soberana dos venezuelanos”.

“Nada parece travar o afã destruidor da parelha Nicolás Maduro-Diosdado Cabello [o presidente da Assembleia Nacional que agora sai de funções]. Em lugar de reconhecer a vontade soberana do povo, põem acima do bem comum os seus interesses obscuros. Em vez de iniciar um diálogo com a maioria indiscutível da Assembleia, ameaçam aprofundar a via da sua fracassada revolução, com a manipulação da nomeação dos juízes do Supremo Tribunal a quem recorrem para impedir essa maioria, com a ameaça de veto da amnistia para presos políticos e exilados e com a constituição de uma Assembleia Comunal”, escreveu González, referindo-se ao novo organismo, uma espécie de parlamento paralelo, criado pelo Governo de Caracas no rescaldo das legislativas.

Com entrada em funções marcada já para amanhã, a Assembleia Comunal será integralmente ocupada por representantes de comunas chavistas, aliados de Nicolás Maduro – que lhes pediu para agir como “contrapeso” da nova “assembleia burguesa” dominada pela oposição.

Além de “provocar” a oposição com os recursos judiciais, o Presidente da Venezuela também aproveitou o último dia do ano para assinar nova legislação laboral ao abrigo da chamada Lei Habilitante que lhe permitia governar por decreto (esses poderes extraordinários expiraram com o fim da legislatura). Numa comunicação ao país, Maduro anunciou uma nova medida destinada a “proteger os trabalhadores” de despedimentos: a Lei de Inamovibilidade Laboral, que em nome da “estabilidade do processo social no trabalho”, determina que estão proibidas “todas as demissões sem causas justificadas”.

“Atreve-te agora, Ramos Allup, a tocar nesta lei de inamovibilidade”, desafiou Nicolás Maduro, dirigindo-se ao deputado que é um dos líderes da MUD e que depois das eleições incluiu a discussão de “mudanças” no funcionamento das empresas estatais na lista das reformas económicas e políticas que a nova maioria tentaria aprovar no parlamento.

O que o Presidente aparentemente não conseguiu fazer a tempo do fim do ano foi a reconfiguração da sua equipa governativa, demitida após a derrota eleitoral de Dezembro.

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