O novo regime da justiça administrativa em Portugal

Com esta revisão estão criadas condições para se melhorar de modo significativo a justiça administrativa em Portugal.

O ano de 2015, que já vira entrar em vigor em Abril passado o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), não terminou sem que também entrasse em vigor um novo regime para a Justiça Administrativa por efeito da revisão dos dois diplomas básicos que regem a organização e a actividade dos tribunais administrativos: o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

A revisão agora levada a cabo completa e actualiza esses dois diplomas na versão que lhes havia sido dada em 2002 e pretende harmonizá-los com a recente revisão do Código do Processo Civil e do CPA. Aliás, o CPA, o ETAF e o CPTA foram revistos de modo conjugado e, até por isso, pela mesma comissão. Com a revisão do ETAF e do CPTA pretendeu-se aprofundar a tutela jurisdicional efectiva que a Constituição assegura aos cidadãos portugueses como seu direito fundamental e de harmonia com a qual estes têm direito a uma justiça célere, equitativa, eficaz e de qualidade. E isso assume particular exigência quanto à justiça administrativa, que decide litígios entre os cidadãos e o Poder.

Em poucas palavras, são as seguintes as principais inovações desta revisão. Alarga-se o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos. Reduz-se a uma só, e mais simples, acção administrativa os meios contenciosos ordinários. Prescreve-se que o processo administrativo deve concluir-se em prazo razoável e deve ser equitativo e que a sentença deve ser exequível em tempo útil. Cria-se como novo processo urgente o processo relativo aos procedimentos de massa. Adapta-se o contencioso pré-contratual ao Código dos Contratos Públicos e às directivas da União Europeia. Aperfeiçoa-se, embora não tanto como a comissão de revisão havia proposto no seu anteprojecto, o regime das providências cautelares, prevenindo-se designadamente o seu abuso. Assegura-se um melhor patrocínio judiciário das entidades públicas. A arbitragem, que em Portugal se encontra prevista na Constituição, e que já fôra objecto de larga consagração na revisão de 2002/2004 para os litígios de Direito Administrativo, vê alargado o domínio da sua aplicação, ao mesmo tempo que se reforçam as garantias de imparcialidade dos juízes-árbitros e da qualidade da justiça arbitral, sobretudo mediante a obrigação de publicação de todas as sentenças arbitrais através de uma base de dados a criar para o efeito pelo Ministério da Justiça. Mantém-se nos tribunais administrativos o contencioso da função pública, tendo-se resistido às perigosas tentativas da sua privatização.   

Foi pena não terem sido aceites duas importantes propostas da comissão de revisão, uma, no sentido de se entregar aos tribunais administrativos o regime integral do contencioso das expropriações, servidões e onerações a elas análogas bem como o contencioso das contra-ordenações em matéria de ordenamento do território, ambiente, património cultural e bens do Estado, outra, no sentido  de se  alterar o regime das providências cautelares de modo a se conseguir um melhor equilíbrio entre a garantia da tutela cautelar e a necessidade de as entidades públicas, a começar pelo Estado, não ficarem manietadas na prossecução do interesse público.

Com esta revisão estão criadas condições para se melhorar de modo significativo a justiça administrativa em Portugal. Mas que não fiquem dúvidas, esse desiderato só será alcançado se os dois novos diplomas forem de facto respeitados e cumpridos.

Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Presidente da Comissão de revisão do CPA, do ETAF e do CPTA

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