Banif: cinco falsidades e uma conclusão
Portugal mudou muito nas últimas décadas, mas se há algo que ferozmente subsiste é o compadrio, o amiguismo, o favorecimento e o “rotativismo” entre priminhos, grupinhos e capelinhas.
“O leitor continua a ter o seu dinheiro no banco, não é verdade? Eu também. O dinheiro que está a sair do Sul da Europa é o das empresas, bancos e grandes patrimónios. Os pequenos aforradores continuam a manter as suas contas correntes como antes”. São palavras de Santiago Camacho, jornalista espanhol, no livro com o título algo premonitório, Como o Capitalismo acabou com a Classe Média.
Esta referência abre-nos o caminho para a primeira falsidade: Não é seguro ter o dinheiro no banco. Nada mais errado. É mesmo no banco que o deve manter, ainda que o banco já não o remunere com juros. De facto, os governos dos países do sistema monetário europeu, ficam de tal modo apavorados, com o caos que seria criado com a perca de depósitos, que tudo inventarão e tudo farão para evitar esse “armagedão social”. A titularidade duma conta bancária permite usar todos os serviços bancários convenientes, como multibanco, transferências, pagamentos domiciliados etc., pagando – por enquanto – apenas pequenas comissões de gestão, uma espécie de “taxa moderadora”. Nesta medida e para os cidadãos depositantes, a banca ainda faz parte do Estado Social.
A segunda falsidade é sobre quem paga o resgate: Aqui importa desmontar a confusão entre contribuinte e cidadão. Já se ouviu que cada família iria “suportar 1000 euros para o BANIF”. Um exagero, claro. Mais de 7 milhões de portugueses não vão contribuir com nada para o BES ou para o BANIF. Apenas os cidadãos que pagam impostos directos com algum significado, vão ser de facto afectados, ao longo dos próximos anos. Em Portugal, muito mais de metade da população activa não paga impostos directos. Mesmo nos EUA, 46% da população não paga impostos. No sul da Europa são os mesmos rácios. Portanto, quem já está a pagar o resgate dos bancos em Portugal, não são os cidadãos em geral. São apenas os contribuintes com rendimentos acima de determinados valores, os quais, no entanto, não passam de classe média.
Quanto aos ricos, só os muito distraídos, o irão fazer. De facto, a maioria já terá colocado o seu dinheiro a salvo desta contingência fiscal, através dos gestores de investimento do Private Banking, alguns, dos próprios bancos agora resgatados.
A terceira falsidade é a desculpabilização da qualidade da gestão bancária. Em 1986, a Harvard Business Review publicou um ensaio da autoria dum tal Kevin J. Murphy, que ficou inusitadamente célebre e cujo título era, nem mais nem menos, que “Os executivos de topo valem cada cêntimo que recebem”. A Harvard Business Review é propriedade da Universidade de Harvard e os leitores são os citados “executivos de topo” e os seus ambiciosos subordinados. Neste sentido, estamos falar de puro jornalismo de serviço, para lisonjear os seus leitores. E aqui chegamos a outro ponto. Se são tão competentes, porque falham tanto? Se falham tanto, porque continuam a valer “cada cêntimo que recebem?” Um dos maiores bancos portugueses, o BES, tinha como gestores principescamente remunerados, pessoas da família, cuja qualidade e competência – ficou bem patente no inquérito parlamentar - as capacitaria para gerir, talvez uma mercearia.
A quarta falsidade é a credibilidade das auditorias externas. Aqui o problema não será tanto de competência mas de independência. As auditoras são pagas pela entidade que auditam, trabalham apenas sobre os dados que lhes são disponibilizados e não têm poderes inspectivos. A sua acção é muito limitada e, por isso, não é inteiramente confiável.
A quinta falsidade é a culpa do regulador. Claro que a supervisão, no caso o Banco de Portugal, não funcionou nem atempadamente, nem bem, em relação a vários bancos portugueses. Mas também não funcionou em Espanha, na Irlanda, nos Estados Unidos ou na Alemanha. Culpar apenas os reguladores é simples e conveniente. Mas o problema está nas regras de nomeação dos gestores de todo o sistema financeiro, que têm de ser alteradas. A supervisão não é à prova de bandidos, tal como a Policia Judiciária ou a ASAE, não são responsáveis pelos crimes que não conseguiram evitar.
Em conclusão: Já vamos no quarto banco a ser resgatado e continuamos sem ter um regime escrutinado e absolutamente transparente de incompatibilidades. A promiscuidade no trânsito de gestores e políticos entre bancos, supervisores, reguladores e auditores, sem cumprirem um período mínimo de “nojo”, é absolutamente escandaloso, mesmo chocante.
Portugal mudou muito nas últimas décadas, mas se há algo que ferozmente subsiste é o compadrio, o amiguismo, o favorecimento e o “rotativismo” entre priminhos, grupinhos e capelinhas. Nisso, continuamos alegremente no nosso Séc. XIX. O resultado está à vista.
Jurista