Ministério avalia carências do SNS e reorganiza modelo de resposta em Lisboa
Soluções para os principais problemas na área metropolitana de Lisboa devem começar a ser aplicadas já em Fevereiro.
O Ministério da Saúde (MS) pediu aos hospitais que fizessem o levantamento das situações mais críticas de carências de especialistas a nível nacional, para evitar que se repitam situações como a que terminou com a morte de um jovem de 29 anos no hospital de São José, em Lisboa. A tutela quer perceber quais são as grandes falhas para as poder corrigir, explicou uma fonte do MS ao PÚBLICO.
Mas a prioridade é a organização dos serviços na capital e por isso o ministério criou já esta segunda-feira um “grupo coordenador da Urgência Metropolitana de Lisboa” que vai de imediato começar a avaliar os “constrangimentos existentes” nos hospitais e procurar soluções para as “disfunções identificadas”.
As primeiras medidas devem avançar no terreno a partir de 1 de Fevereiro próximo, adianta o MS em nota enviada à imprensa, após uma reunião entre o ministro, os secretários de Estado e os responsáveis das cinco maiores instituições hospitalares da capital (os centros hospitalares de Lisboa Norte, de Lisboa Central e de Lisboa Ocidental, além do hospital de Amadora-Sintra e o de Almada). A ideia é encontrar um novo modelo de organização para os atendimentos urgentes que permita “uma assistência eficaz, atempada e de elevada qualidade” e vai ser dada prioridade às especialidades em que se verificam as maiores dificuldades, explica a tutela.
A conjugação de factores como o da “gravidade e o carácter urgente das patologias”, associada “à dispersão geográfica da procura e relativa escassez de profissionais habilitados”, obriga a que o SNS “se organize de modo a garantir uma resposta pronta e coordenada”, justifica o gabinete do ministro Adalberto Campos Fernandes. “Este processo exige que se proceda a uma profunda reorganização dos cuidados de saúde hospitalares nas várias regiões de saúde do país, apostando nos princípios da cooperação interinstitucional, da organização em rede e da partilha dos recursos disponíveis no SNS”, acrescenta.
O grupo coordenador é liderado pelos directores clínicos das cinco maiores unidades hospitalares da área metropolitana de Lisboa, por responsáveis da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e pelo coordenador nacional para a reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na área hospitalar, o ex-administrador do Centro Hospitalar São João (Porto), António Ferreira.
Idoso morre em Coimbra
O grupo coordenador da urgência metropolitana de Lisboa foi criado depois de, nos últimos dias, terem sido noticiadas várias situações de alegada falta de assistência atempada em unidades hospitalares da capital. Terá sido o caso de um doente que, depois de ficar vários dias em coma, acabou por morrer esta segunda-feira em Coimbra. Com 74 anos, o homem sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) no passado dia 14 no hospital de Faro e foi no dia seguinte transferido para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra porque o São José (em Lisboa) se terá recusado a recebê-lo.
O Centro Hospitalar do Algarve (CHA), a que pertence o hospital de Faro, já anunciou que abriu um inquérito para averiguar se foram cumpridas todas as regras e protocolos estipulados neste tipo de situação e uma fonte do Ministério da Saúde adiantou ao PÚBLICO que a tutela vai aguardar as conclusões deste inquérito.
Atendido no hospital de Faro com sintomas de AVC isquémico (uma área do cérebro deixa de ter sangue), o idoso terá visto o seu tratamento ser protelado por não ter sido encaminhado do Algarve para Lisboa, alegadamente porque o hospital de São José não o recebeu com o argumento de que o médico especialista estaria quase a sair do serviço, segundo noticiou a TVI. O doente acabou por ser transferido de ambulância para Coimbra no dia 15.
O hospital de São José tem estado debaixo dos holofotes depois de ter sido tornada pública a morte de um jovem de 29 anos que aí permaneceu internado durante três dias após a ruptura de um aneurisma. David Duarte, assim se chamava o jovem, morreu enquanto aguardava por uma intervenção urgente que não foi realizada porque as equipas especializadas deixaram de fazer prevenção aos fins-de-semana na sequência dos cortes no pagamento de horas extraordinárias. Depois disso, foi noticiado que pelo menos outras quatro pessoas morreram em circunstâncias semelhantes nos últimos dois anos.
Estes doentes são tratados por equipas de neurocirurgia vascular (só alguns médicos desta especialidade estão preparados para intervir nestas situações) ou por equipas de neurorradiologia de intervenção. No São José, as segundas deixaram de fazer prevenção ao fim-de-semana desde Janeiro de 2013, enquanto as primeiras deixaram de assegurar as intervenções cirúrgicas desde Maio de 2014. A SIC adiantou entretanto que há neurocirurgiões preparados para operar em caso de ruptura de aneurisma não só no São José, mas também noutros hospitais de Lisboa, como o Egas Moniz, mas estes não terão sido contactados para tratar David.
Quanto ao caso de Faro, e apesar do inquérito anunciado, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Algarve, Pedro Nunes, disse à Rádio Renascença que acredita que “as coisas ocorreram dentro da normalidade” naquele hospital, uma vez que este não tispunha de meios para tratar o idoso e teria sempre que o transferir para um hospital com uma equipa especializada.
O hospital de Faro, especificou, não tem um serviço de neurorradiologia de intervenção e, por isso, “quando há um doente que possa beneficiar deste método, o hospital assinala e o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] é que avalia para onde é que o doente vai”. Sobre o encaminhamento do idoso, admitiu não saber para qual hospital de Lisboa terá sido feito o pedido de transferência, mas sublinhou que, “na capital, só o Santa Maria e o São José é que têm capacidade para o fazer”. A unidade de referência, precisou, não tem de ser obrigatoriamente o São José, pode ser o Santa Maria.
Em relação às seis horas de espera de que se queixaram os familiares do idoso, Pedro Nunes considerou que “até nem são muitas”, uma vez que que “o doente foi avaliado, sujeito a análises, a TAC [tomografia axial computorizada] e terá feito, inclusivamente, terapêutica, a chamada trombólise [para dissolver o coágulo de sangue]”.