França avança com retirada de dupla nacionalidade a condenados por terrorismo
Projecto é criticado à esquerda (até pelo próprio Partido Socialista) pois ameaça as liberdades individuais e os direitos dos que nascem no país.
O debate começa a 3 de Fevereiro na Assembleia Nacional, mas em França a polémica está mais do que aberta devido ao projecto do Governo socialista para introduzir alterações na Constituição após os atentados de 13 de Dezembro, reivindicados pelo Estado Islâmico. A mais controversa das propostas, destinadas a regular o estado de emergência, é a retirada da cidadania francesa a pessoas com dupla nacionalidade que sejam condenadas por terrorismo.
A direita e a extrema-direita estão ao lado dos socialistas nesta matéria, mas toda a esquerda é contra, incluindo membros do próprio Partido Socialista do Presidente François Hollande e do primeiro-ministro Manuel Vals - entre eles a responsável pela pasta da Justiça, Christiane Taubira. A ministra chegou a anunciar, na terça-feira, que a polémica medida fora retirada por violar os direitos dos cidadãos nascidos em França - no país está prevista a perda da dupla nacionalidade, mas apenas para os que a adquiriram, não para os que nasceram com direito a ela, ou seja em França. A proposta prevê que possa ser retirada a todos.
Mas a afirmação da ministra foi desmentida esta quarta-feira por Valls quando este apresentou, perante os deputados, o projecto do Executivo.
Tentando forçar a nota de uma crise política dentro do Governo, a oposição exigiu que Taubira se demitisse, mas apesar de fragilizada a ministra afastou essa possibilidade, pelo menos para já. "No actual estado das coisas, o minha presença ou ausência do Governo não importa, o que importa é a capacidade do Presidente e do Governo lidarem com os perigos que enfrentamos", disse, segundo a Reuters.
Manuel Valls - criticado, juntamente com Hollande, por uma iniciativa que a oposição de esquerda diz ser uma ameaça às liberdades individuais - justificou a reforma com a necessidade de enfrentar ameaças e regulamentar o estado de emergência, que foi declarado após os ataques de Paris que mataram 130 pessoas.
Na altura, a grande maioria dos deputados da Assembleia Nacional votou a favor do estado de emergência e do seu prolongamento até 20 de Fevereiro. Esta medida de excepção no Estado de Direito permite que, perante uma ameaça à segurança púbilca, os governos procedam a investigações, decretem prisões e dissolvam associações (entre outras medidas) sem que a decisão tenha que ser declarada pelo poder judicial.
Em França, o estado de emergência é, actualmente, regido por uma única lei e pode ser contestado pelo Conselho Constitucional. Se a proposta socialista for aprovada - e para isso precisa do voto favorável de três quintos dos deputados - o estado de emergência pode ser decretado mesmo sem a aprovação deste Conselho.
"Em nome da verdade temos que dizer que a ameaça nunca deixou de existir", disse Manuel Valls depois de apresentar o projecto. Considerou que esta alteração é a melhor garantia contra qualquer "deriva" uma vez que "lima os critérios quando se declara um estado de emergência" e "enquadra as medidas do seu prolongamento na Constituição".
"Os que afirmam o contrário enganam-se e não cumprem os objectivos, que são assegurar a nossa democracia e o nosso Estado de Direito", disse o primeiro-ministro francês, citado pela AFP.
Os críticos da iniciativa têm questionado a eficácia do estado de emergência na luta contra o terrorismo. Dados do próprio Ministério do Interior, liderado por Bernard Cazeneuve, referem que as quase três mil investigações abertas depois de 13 de Dezembro levaram a 346 interrogatórios, 297 detenções e 51 prisões. Porém, poucas das pessoas visadas foram de facto relacionadas com terrorismo.
Valls e Hollande não recuaram em praticamente nada em relação ao projecto original. Mas foi feita uma correcção (suavização, dizem os jornais franceses) na línea sobre a retirada da cidadania a pessoas que têm dupla nacionalidade; há 3,5 milhões de pessoas nesta situação. Agora, como sublinhou Valls, propõe-se que essa medida só seja aplicada a pessoas que sejam condenados por "crimes contra a vida da nação" e depois de cumprirem a respectiva pena.
Controlo de fronteiras
Desde que foi instaurado o estado de emergência, a França evitou um atentado contra as forças de segurança, recusou a entrada no país a 3414 pessoas por razões de segurança (através do encerramento de fronteiras que este estado de excepção autoriza) e efectuou 2898 buscas administrativas.
Bernard Cazeneuve revelou aos jornalistas que duas pessoas foram presas e acusadas de preparação de actos terroristas contra as forças de ordem na região de Orleans.
Os detidos são franceses, um de origem togolesa, outro marroquino, e tinha cadastro relacionado com pequena delinquência. Terão mantido contacto com um jihadista francês que está na Síria e "efectuado diligências" para comprar armas de fogo. O objectivo seria atacar casernas militares ou esquadras.
"Estas prisões são o resultado de um trabalho minucioso dos nossos serviços secretos e elevam para dez o número de atentados evitados no território nacional desde 2013", disse Cazeneuve.
As quase 3500 pessoas travadas nas fronteiras francesas, onde foram repostos os controlos depois dos atentados de Paris, representavam "um risco para a segurança e a ordem pública", disse ainda o ministro.