TAP: Uma prenda de anos para o Grupo Barraqueiro
Com 100 anos de história, a empresa liderada por Humberto Pedrosa já inclui a compra da TAP no livro que lançou para celebrar a efeméride. Tudo começou entre o Lumiar e a Ericeira, com a primeira carreira de serviço público.
Ao início da tarde de quinta-feira, Humberto Pedrosa foi com o sócio norte-americano, David Neeleman, dizer ao ministro do Planeamento e Infra-Estruturas que a Atlantic Gateway não abdica do controlo da TAP. Ao final da tarde, na CCIP - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, já sem a companhia de Neeleman, festejou os 100 anos do Grupo Barraqueiro com o lançamento de um livro comemorativo e congratulou-se com a aquisição da companhia aérea. “A TAP foi uma prenda de anos para o Grupo Barraqueiro”, disse aos jornalistas que o questionaram sobre o previsível confronto com o Governo, que quer a maioria do capital da empresa de regresso ao Estado.
Pedrosa, que tem 51% do consórcio vencedor da privatização (mas que ainda não viu o regulador da aviação civil, a ANAC, confirmar que tem o controlo efectivo da companhia, como manda a lei europeia do transporte aéreo) sustenta que o grupo a que preside há quase 50 anos passa, com a TAP, a ser, “de longe, o maior empregador em Portugal e o grupo líder no segmento exportador”.
É precisamente sobre a vitória na privatização da TAP a última entrada da cronologia do livro “Grupo Barraqueiro – 100 anos em imagens”. A primeira faz-nos recuar até ao ano 15 do século passado, quando a Barraqueiro, fundada pelos irmãos Joaquim e Miguel Jerónimo, iniciou actividade com a primeira carreira de serviço público em “auto-omnibus” entre o Lumiar e a Ericeira. Os dois irmãos da Malveira cobravam então 70 centavos por um percurso no seu veículo. Mas foi sol de pouca dura, pois “o estado de degradação das estradas e caminhos que tinham que percorrer” e a “escassez de peças sobressalentes” obrigou-os a suspender a operação, como conta o livro que percorre o centenário da Barraqueiro com fotografias recolhidas nos arquivos da RTP, do Diário de Notícias e das associações do sector, e em colecções privadas e da família Pedrosa.
O regresso dos irmãos Jerónimo ao transporte de passageiros deu-se já no final dos anos 20, constituindo-se, em 1933, a sociedade por quotas Joaquim Jerónimo Lda., com um património de seis veículos e sede na Travessa do Forno, junto ao Rossio. Os empresários ficaram conhecidos pelo nome “barraqueiro” pelo facto de os pais terem explorado uma barraca na Feira da Malveira e acabou por ser essa a designação comercial que adoptaram para a empresa, que nas duas décadas seguintes passou a concentrar-se nas excursões pelo país (e mesmo em Espanha), em detrimento das carreiras de serviço público, que “conhecem nesta fase um período de estagnação”.
Foi só em 1967 que a sua história se cruzou com a de Humberto Pedrosa. Artur Pedrosa, pai de Humberto, comprou a empresa já com 11 autocarros aos conterrâneos e entregou a gestão ao filho. “Eu tinha apenas 20 anos. Sentia-me cheio de vontade de fazer coisas. Queria muito vencer na vida e estava a fazer o que gostava”, escreve Humberto Pedrosa. Foi já sob a sua liderança, no ano em que o homem chegou à lua (1969), que a Barraqueiro inaugurou a sua principal carreira: Santo António dos Cavaleiros - Lisboa. Ao serviço público iam-se somando as excursões, o transporte de crianças e de operários fabris. Em 1973, a empresa fez a primeira de muitas aquisições. Duplicou a oferta com a compra da Henrique Leonardo Mota, que operava no corredor de Loures e era a sua principal rival. Mas o 25 de Abril estava à porta. “A revolução de Abril veio atrapalhar-nos um pouco”, contou Pedrosa na cerimónia de apresentação do livro. Esse é o “ponto de viragem” para a empresa que, pela menor dimensão, escapou por um triz à onda de nacionalizações no sector que resultou na criação da Rodoviária Nacional (RN). A Barraqueiro, com 80 autocarros, tinha escritura de compra de uma empresa com mais de 100 veículos marcada para o dia da revolução e foi o adiamento das assinaturas que a impediu de ser nacionalizada.
Ainda assim, é através de aquisições que se continua a fazer o crescimento nos anos seguintes: a Esevel – Estação de Serviço Electro-Veloz “para assegurar, com custos controlados, todos os serviços de manutenção e reparação da frota” e, para reforçar a aposta no segmento turístico (para o qual já tinha sido criado a operadora Frota Azul), a Mundial Turismo, a Cityrama e a Castelo & Caçorino.
Se a seguir ao 25 de Abril veio a crise económica dos anos 80, quando “os bancos não tinham dinheiro suficiente para o grupo crescer”, como relatou Pedrosa, os anos 90 seriam cruciais para o desenvolvimento da Barraqueiro. A década ficou marcada pelas as operações de privatização da Rodoviária Nacional (RN), dividida em empresas regionais, na Bolsa de Lisboa. Primeiro, em 1992, a Rodoviária do Algarve (actual EVA), depois a Rodoviária do Alentejo (1993), a Rodoviária da Estremadura (1994) e a Rodoviária de Lisboa (1995). Além disso, Pedrosa comprou participações minoritárias na Rodoviária Sul do Tejo, na Rodocargo e na Transporta (1993), garantindo o controlo da RNE – Rede Nacional de Expressos. “Houve uma concentração muito grande do investimento na década de 90, o que foi difícil, porque na altura o dinheiro para investir não era tão barato como hoje”, contou o empresário.
Eduardo Catroga, que foi ministro das Finanças do Governo de Cavaco Silva e esteve ligado às privatizações da RN, fez a apresentação do livro, gabou “a fibra” e a “visão estratégica” de Humberto Pedrosa e, pelo meio, sublinhou que, no que toca aos transportes públicos, “o Estado tem de ser garante, mas não pode ser produtor”, porque “não sabe gerir, nem optimizar”. Não foi o único ex-ministro na cerimónia de lançamento: na primeira fila estava o socialista Jorge Coelho, ex-ministro da Administração Interna e do Equipamento Social de António Guterres, e ex-presidente da Mota-Engil.
O salto para o transporte ferroviário viria já no final da década de 90, depois da criação da Barraqueiro SGPS (em 1998) para servir de chapéu a um número crescente de empresas que precisavam de uma orientação estratégica centralizada. Em 1999, o grupo conseguiu a concessão por 20 anos da exploração ferroviária do eixo Lisboa – Setúbal, através da Fertagus. Em 2002 ganhou a concessão, por 30 anos, da rede do Metro Sul do Tejo. Entretanto, passou por alterações na estrutura accionista, “com a saída, em 2000, da francesa CGEA; entrada e posterior saída da Caixa BI; e entrada, em 2006, da inglesa ARRIVA, parceiro estratégico do Grupo, que mais tarde viria a reforçar a sua posição”, refere o livro. Os britânicos já têm 31,5% da Barraqueiro – são parceiros na Metro do Porto (subconcessão ganha em 2010, através da Viaporto) e na Fertagus – mas a ambição não fica por aqui. “Se quisermos, um dia tenho a certeza de que isso acontecerá (…) o grupo Arriva irá adquirir o controlo do grupo Barraqueiro”, disse o presidente executivo do grupo ao Diário Económico, em Novembro. David Martin afirmou ainda que não quis participar na privatização da TAP por ser "um negócio muito arriscado".
Hoje, o grupo tem 30 empresas (incluindo presenças no Brasil e Angola), movimentando diariamente “mais de 3500 veículos, entre autocarros, metros ligeiros, comboios e camiões”.
“Contam-se pelos dedos” as empresas que se podem gabar de cumprir 100 anos, disse Humberto Pedrosa aos convidados, na quinta-feira. O que está para trás já ninguém tira à Barraqueiro, mas o capítulo TAP ainda não está completo e falta saber se terá de ser reescrito. “Seria uma pena se daqui a um ano a TAP deixasse de estar no livro”, admitiu Pedrosa a um dos jornalistas no final da sessão de lançamento.