“A França nunca esteve tão à direita como está hoje”
A estratégia de Sarkozy foi validada nestas eleições, diz o investigador francês Jean-Yves Camus. "Um programa muito à direita é a única maneira de travar os ganhos da Frente Nacional."
Jean-Yves Camus é director do Observatoire des radicalités politiques da Fondation Jean Jaurès. O investigador do IRIS (Institut des Relations Internationales et Stratégiques) em Paris é também autor de vários livros sobre a extrema-direita. Les Droites extrêmes en Europe foi o mais recente, escrito com Nicolas Lebourg, e editado pelas Editions Seuil. Numa breve entrevista por telefone a partir de Paris, logo após o anúncio das primeiras projecções, diz que o Partido Socialista (PS) do Presidente François Hollande "não sai tão mal" como previsto.
O que revelam os primeiros resultados conhecidos destas eleições?
O que sobressai em primeiro lugar é a forte participação dos eleitores, que permitiu não só a derrota da Frente Nacional (FN) mas uma derrota em proporções bastante grandes. O segundo aspecto: a estratégia que foi decidida pelo Presidente da República teve o seu peso. Essa estratégia, que consistiu em pedir aos eleitores da esquerda para votarem em pessoas que são, no fundo, os seus adversários políticos para criar uma barreira à FN, funcionou bem. E funcionou melhor do que aquilo que eu esperava. Pensei que muitos eleitores de esquerda não votariam nos candidatos da direita, pelo menos na proporção que estamos a ver. Os eleitores de esquerda parecem ter-se deslocado em massa para votar nos candidatos de Os Republicanos.
O que há então é uma afluência maior e uma disponibilidade maior dos socialistas para votarem nos candidatos do partido Os Republicanos, do que o previsto?
Sim, e ambas traduzem uma recusa em massa da FN, uma recusa em ver o partido exercer responsabilidades a nível regional.
Considera que a estratégia do PS funcionou. Não é uma estratégia questionável?
Evidentemente que sim. A partir do momento em que somos obrigados, na segunda volta, a votar num candidato do campo político oposto do nosso é sempre contestável. Por outro lado, para o PS, desaparecer das regiões Nord-Pas-de-Calais-Picardie e Provence-Alpes-Côte d’Azur durante seis anos não é irrelevante. Tem importância. Não nos podemos satisfazer com esta situação em que temos há já alguns anos uma FN num nível de tal maneira elevado que, para a travar, é preciso pedir aos eleitores para darem o voto aos seus adversários. É uma situação que não satisfaz de todo.
Os eleitores franceses tinham já passado em 2002 por uma segunda volta de presidenciais em que a escolha era entre Jean-Marie Le Pen e Jacques Chirac, ficando o candidato do PS de fora. A situação agora é mais marcante?
Desta vez é mais marcante porque já não se trata de Jacques Chirac, mas sim de Nicolas Sarkozy. E não é de todo o mesmo tipo de direita. Votar em Jacques Chirac para vencer Le Pen em 2002 não era um grande problema para a maioria das pessoas, porque Jacques Chirac era um homem da direita tradicional e porque tínhamos, no extremo, Jean-Marie Le Pen. A escolha era natural, por assim dizer. Agora, temos Nicolas Sarkozy que claramente faz campanha para as eleições presidenciais [de 2017] com base em ideias que estão extremamente à direita no espectro político. Vimos isso no discurso que fez entre as duas voltas destas eleições, onde falou sobre as questões do islão, as questões da identidade, de Schengen. Se ele for candidato às presidenciais, e vai sê-lo, será com um programa muito à direita porque é a única maneira de travar os ganhos da FN.
É garantido que ele será candidato presidencial?
Sim, sim. O seu objectivo consiste em retomar o controlo da UMP, mudar o nome [para Os Republicanos em Maio passado], transformar o partido para fazer dele uma máquina de campanha ao serviço da sua ambição presidencial. Ele é candidato, mais do que nunca, até porque a sua estratégia face à FN foi validada pelos resultados deste domingo. Eu não diria que ele aproximou o discurso do da extrema-direita, mas em todo o caso transformou-o num discurso muito mais à direita. É preciso reconhecer a situação da França hoje. A França nunca esteve tão à direita como está actualmente.
Como sai o Partido Socialista destas eleições?
Não sai assim tão mal. Há três semanas, um mês antes das eleições, chegou a pensar-se que seria um desaire. E não é. O PS conserva entre cinco e sete regiões. É um resultado honroso, depois de [o primeiro-ministro] Manuel Valls ter pedido aos eleitores de esquerda para votarem no candidato anti-Frente Nacional. Penso que, no fim, é uma noite eleitoral melhor do que previsto.
Como vão os resultados destas eleições reflectir-se nas presidenciais de 2017? Será mais provável ter Marine Le Pen fora de uma segunda volta?
As presidenciais são outra coisa. Na óptica das presidenciais, a sorte de François Hollande será de ter resultados económicos que estejam à altura. Mas no quadro actual, se tivermos uma segunda volta entre François Hollande e Nicolas Sarkozy, a vitória do candidato socialista é muito incerta. O único cenário que poderia permitir uma vitória do PS seria aquele em que o candidato socialista defrontaria Marine Le Pen numa segunda volta. E isso é pouco provável. Antes das eleições, os cenários mais prováveis eram termos uma segunda volta entre Sarkozy e Hollande ou entre Sarkozy e Marine Le Pen.