A corrida para as presidenciais já começou
Uma coisa é certa: a corrida para as presidenciais francesas já começou e o resultado continua incerto.
1. O “primeiro partido de França” só durou uma semana? À primeira vista, parece que sim. Na segunda volta das eleições regionais, a Frente Nacional não conseguiu vencer em nenhuma das 13 regiões em disputa, seis das quais tinha ganho na primeira volta. Contados os votos, passou a terceiro partido de França (embora muito próximo do PS, domingo à noite). Uma maior participação eleitoral somada, porventura, a um “sobressalto” republicano de muitos eleitores dos dois grandes partidos do sistema foram suficientes para travar a sua dinâmica de vitória. Diz o politólogo Jean-Yves Camus à AFP que o último escrutínio antes das presidenciais de 2017 “tende a confirmar que se mantém um impasse para a Frente Nacional: é um excelente partido de primeira volta mas não conseguiu passar daí”. Marine Le Pen classificou os resultados de “derrota vitoriosa”.
2. Neste domingo à noite, os socialistas de Hollande e Os Republicanos de Sarkozy puderam respirar de alívio. O PSF viu compensado nas urnas o seu papel de “barreira republicana” ao avanço da Frente Nacional, que Manuel Valls elegeu como estratégia entre a primeira e a segunda volta, desistindo a favor da direita de Sarkozy. Conseguiu manter cinco regiões, das 12 que detinha anteriormente, evitando uma hecatombe, mas perdeu a Córsega para os nacionalistas e Paris para Os Republicanos. Nicolas Sarkozy, que se saiu mal a 6 de Dezembro, ficando atrás da FN, conseguiu ganhar sete regiões e uma percentagem de votos que o deixou muito à frente de Marine Le Pen. Com os resultados alcançados, dificilmente os seus adversários internos, animados pela derrota na primeira volta, vão conseguir derrotá-lo naquilo que verdadeiramente lhe interessa: as “primárias” para a escolha do candidato ao Eliseu. Sarko pode dizer que a sua estratégia de radicalização para roubar votos à FN continua a funcionar, afastando Alain Juppé e François Fillon, dois anteriores primeiros-ministros e ambos defensores de uma política mais moderada, que não se limite a tentar vencer a FN no seu próprio campo.
Uma coisa é certa, todavia: a partir de agora, os três grandes partidos de França (a FN ganhou esse estatuto e vai mantê-lo) só pensarão nas presidenciais da Primavera de 2017, deixando pouco espaço a uma reflexão mais profunda sobre as causas do êxito eleitoral e político de Marine Le Pen e a melhor forma de a enfrentar. Le Pen conseguiu mobilizar o voto popular, dos deserdados da globalização e da Europa, dos que mais temem uma vaga de refugiados que venha perturbar as suas vidas e os mais afectados pela crise económica e pelo desemprego. A dinâmica mobilizadora que criou não desapareceu e vai continuar a condicionar um debate para o qual os dois grandes partidos ainda não têm respostas. Aliás, confrontados com a primeira volta, PS e Republicanos tentaram justificá-los mais por questões conjunturais do que estruturais. Sarko falou de uma “vaga de cólera” dos eleitores contra a política do Governo socialista, reivindicando a paternidade de questões como a “identidade nacional” e a raiz cristã da França nas eleições presidenciais de 2007. A sua ideia é repetir a mesma estratégia, que será mais difícil porque já não é o truculento Jean-Marie que tem pela frente, mas a sua filha Marine, que tratou de “moderá-lo” o suficiente para caber no sistema político.
3. Para François Hollande, a emergência da Frente Nacional poderá servir os seus cálculos para tentar um segundo mandato em 2017, depois de ter conseguido ser o Presidente mais impopular da V República. Com a tragédia de 13 de Novembro, o Presidente soube erguer-se à altura dos acontecimentos, reagindo com uma dureza implacável e com uma autoridade que agradaram aos franceses, tirando terreno aos seus rivais da direita e da extrema-direita. Liderou o reforço internacional da luta contra o Estado Islâmico, unindo-se a Obama e a Cameron e recebendo o apoio de Angela Merkel. Acaba de celebrar um acordo histórico na Cimeira do Clima, de que foi o anfitrião. Distanciou-se cuidadosamente do debate eleitoral, deixando a tarefa de enfrentar a Frente Nacional ao seu primeiro-ministro. Foi Manuel Valls quem deu a cara no combate a Marine Le Pen, antes e depois da primeira volta das regionais, reivindicando para o PS o papel de “verdadeiro partido republicano”. O seu sonho é uma repetição ao contrário de 2002, quando o candidato socialista Lionel Jospin não chegou à segunda volta, cedendo o lugar a Jean-Marie Le Pen e permitindo a Jaques Chirac uma vitória esmagadora. O problema é que os cálculos políticos não resolvem os problemas reais. E se eles se agravarem, da segurança ao desemprego e à economia, a estratégia de Hollande pode não conseguir chegar a parte nenhuma. Provavelmente, a sua nova estratégia vai também tornar a vida mais difícil a Angela Merkel, a sua fiel aliada no combate ao terrorismo, que terá de aceitar maior flexibilidade nas contas públicas da França, em nome da necessidade de financiar a segurança. As eleições francesas, com a crise dos refugiados e a ameaça terrorista, vão ter inexoravelmente um forte impacto na agenda europeia. Em que sentido? Ainda não há resposta. Ontem, Sarkozy e Valls quiseram evitar triunfalismos, lembrando que os problemas não desapareceram e que será necessário enfrentá-los. Ambos terão aprendido a lição. Ou talvez não. Uma coisa é certa: a corrida para as presidenciais já começou e o resultado continua incerto.