Obras no Arco do Cego não convencem os moradores, nem sequer Fernando Medina
"Está bom de ver que a água vai entrar dentro da casa de alguém", reconheceu o presidente da Câmara de Lisboa quando confrontado com as preocupações dos residentes do bairro sobre uma obra que está a ser feita pela própria câmara.
A Câmara de Lisboa está a promover a repavimentação das faixas de rodagem e dos passeios de todo o Bairro do Arco do Cego, na freguesia do Areeiro. Apesar de ser desejada há muitos anos, esta obra está a deixar os moradores alarmados com a possibilidade de às primeiras chuvas haver casas inundadas e paredes com infiltrações.
No centro destas preocupações está o facto de as obras que estão a ser realizadas irem introduzir uma alteração significativa na forma como é feito o escoamento das águas pluviais neste bairro, que data da década de 30 do século passado.
Até aqui essas águas eram despejadas no asfalto, através de pequenos tubos (nos quais desembocavam as caleiras) que atravessavam o interior dos passeios. Mas a empreitada em curso prevê que esses tubos deixem de existir e que os canos que trazem as águas do telhado passem a despejar as águas pluviais directamente para os passeios.
Assim que se aperceberam disso, vários moradores dirigiram-se à câmara para lhe transmitir os seus receios e para pedir que aquela decisão fosse reavaliada. E porquê? Porque acreditam que o que vai acontecer é que a água da chuva vai acumular-se nos passeios e entrar pelas janelas das caves e pelos portões das garagens, provocando infiltrações e mesmo inundações.
Mas os receios dos residentes no bairro junto ao Instituto Superior Técnico caíram, de acordo com o que transmitiram alguns deles ao PÚBLICO, em saco roto. No terreno as obras, que segundo um painel da câmara têm um custo de 460 mil euros e a duração prevista de um ano, foram avançando em várias artérias, sem que fossem introduzidas alterações ao projecto no que ao saneamento diz respeito.
Não estando dispostos a baixar os braços, os moradores decidiram levar as suas preocupações directamente ao presidente da câmara, inscrevendo-se para falar na reunião descentralizada dedicada às freguesias do Areeiro e de Alvalade, que se realizou no início de Dezembro.
Um dos intervenientes nessa reunião foi Henrique Saias, que fez saber que lhe tinha sido transmitido pelos técnicos municipais que por uma questão de “orçamento” não era possível mudar a forma como estava previsto que fosse feito o escoamento de águas. Aos vereadores, este morador no Bairro do Arco do Cego levou outras preocupações, por exemplo uma relacionada com a existência de várias “garagens falsas”, em frente às quais os respectivos donos deixam os seus carros, como se de “estacionamentos privativos” se tratassem.
Com as obras em curso, explicou, aquilo que está a ser feito é que nos locais em que existem garagens não se coloca alcatrão, mas sim calçada, o que faz com que nalgumas ruas seja já visível “um rendilhado tipo Portugal dos Pequeninos”. Face a isso, e atendendo a que várias das alegadas garagens não o são na realidade, aquele morador lançou uma interrogação: “não há dinheiro para enterrar a águas das caleiras mas há dinheiro para fazer recortes pavimentados com calçadas?”, perguntou.
Sobre a questão das garagens, a resposta veio de um arquitecto da autarquia, que disse, referindo-se a duas delas, que havia licenças de utilização emitidas mas que iriam ser feitas fiscalizações “para verificar se existem desconformidades”. Quanto ao resto, foi a directora municipal de Projectos e Obras quem justificou com “opções do projecto” a situação criticada pelos moradores ao nível do escoamento das águas pluviais.
De acordo com aquilo que explicou Helena Bicho, o facto de a diferença de quota entre a estrada e o passeio (o chamado espelho do lancil) ser inferior ao “tradicional” inviabiliza a possibilidade de serem colocados tubos para a circulação das águas pluviais no interior dos passeios. Além disso, acrescentou, seria “extremamente oneroso ligar morador a morador ao colector”.
As respostas da directora municipal não agradaram aos moradores nem tão pouco ao presidente da câmara, que não inibiu de o demonstrar à frente das dezenas de pessoas que assistiam à reunião descentralizadas. “Está bom de ver que a água vai entrar dentro da casa de alguém”, sublinhou Fernando Medina.
Lembrando que está em causa “uma intervenção de enorme profundidade, como há muito tempo não era feita” no Bairro do Arco do Cego, o autarca socialista afirmou que “o pior que pode acontecer é fazerem-se investimentos e as coisas não ficarem bem feitas”. “É preferível gastar-se um pouco mais e termos algum sobrecusto agora do que haver problemas de inundações nas caves”, concluiu.
Aos técnicos municipais, Fernando Medina ordenou que fizessem “um esforço para encontrar soluções” que sejam “eficazes” para “100% dos casos”. Ao mesmo tempo, o autarca deixou a garantia de que havia disponibilidade para “completar com o investimento necessário para que aquilo fique bem”.
Alguns moradores, que pediram para não ser identificados por razões profissionais, conduziram o PÚBLICO numa visita guiada ao bairro, para mostrar algumas das situações que os preocupam. Aí fizeram questão de dizer que estão contentes com a realização de obras, das quais este núcleo residencial há muito precisava, e com o facto de elas serem globais, abrangendo todas as suas artérias e tanto os passeios como a estrada.
Apesar disso, estes residentes lamentaram não terem sido ouvidos antes de a empreitada ter início, criticando a câmara e a junta de freguesia por não terem promovido uma sessão pública sobre o assunto. Além disso, deram conta do seu descontentamento com aquilo que consideram ser a falta de capacidade de adaptação da autarquia a partir do momento em que se percebeu que uma das opções do projecto não era a melhor.
“Os pormenores acabam por sabotar o resultado final”, resumiu um dos moradores. A intervenção de Fernando Medina neste caso, e a vontade que demonstrou de resolver aquilo que podia transformar-se num problema, é aplaudida pelo grupo que guiou o PÚBLICO. Quanto ao desfecho que a situação vai ter estes residentes mostram-se cautelosos.
Nos últimos dias, algumas das ruas do Bairro do Arco do Cego que já tinham sido intervencionadas voltaram a ser rasgadas para, segundo foi possível aos moradores perceberem, serem instalados canos no subsolo. Mais uma vez, tal como no arranque deste processo, da autarquia não lhes chegaram quaisquer informações.