“Nem a campainha toca. Temos de estar atentos às horas para saber quando acaba a aula”
Uma escola “difícil” ao lado dos hotéis de Vilamoura, duas que se superam em Famalicão, uma má “surpresa” alentejana. Eis alguns dos estabelecimentos de ensino que se destacam (para o bem e para o mal) no “ranking alternativo”.
O empreendimento turístico de Vilamoura está mesmo ali ao lado. Mas a Escola Básica D. Dinis, em Quarteira, fica numa espécie de zona de fronteira. O edifício, construído em blocos com cobertura de lusalite, foi inaugurado há 30 anos. Nunca a escola teve “uma intervenção digna de registo”, relatava a Câmara Municipal de Loulé, numa carta enviada ao Ministério de Educação, em Setembro. As obras são esperadas há 15 anos. A última pintura “ficou-se por um lifting facial”, não passou da fachada, diz o presidente da associação de pais, João Lopes. “Nem a campainha toca. Temos de estar atentos às horas para saber quando acaba a aula”, conta Bernardo Lucas, 16 anos, aluno do 8.º ano de um curso vocacional.
Cerca de 60% dos alunos são de famílias que têm rendimentos suficientemente baixos para estarem abrangidos pela acção social escolar — a média nas restantes escolas do concelho ronda os 45%. Os problemas de comportamento são frequentes — “Partem tudo”, desabafa Elizabete Correia, assistente operacional, à saída de mais um dia de trabalho. Há situações de bullying. “Há alunos que são agredidos, nós não podemos estar em todo o lado e somos poucos”, acrescenta.
Isabel Bernardo, professora dos 8.º e 9.º anos, de Artes Visuais, afirma que esta é uma “escola muito difícil, sobretudo quando se tem turmas com 28 alunos”.
As suspeitas de consumo e tráfico de droga nas redondezas não passam despercebidas. Bernardo e dois colegas estão junto ao gradeamento da escola, no exterior, quando um carro patrulha da GNR chega e pára. Um guarda questiona os alunos — “Tudo bem? Então não há aulas?” — e pede a identificação ao repórter do PÚBLICO. “Eles fazem muitas vezes isto, e às vezes vão dentro da escola, porque há malta aqui a fumar umas coisas. Acho bem o que fazem”, diz Bernardo. João Lopes elogia a presença da GNR junto à escola: “Quanto mais frequente for, mais seguros os pais se sentem.”
Na Escola Básica D. Dinis, em Quarteira, apenas 21% dos alunos que em 2013/14 entraram no 5.º ano (que marca o arranque do 2.º ciclo do ensino básico) conseguiram chegar ao 6.º ano, em 2014/15, e ter positiva nos dois exames nacionais obrigatórios finais, Português e Matemática.
A média de “percursos de sucesso” entre os alunos do resto do país que entraram no 2.º ciclo com o mesmo nível de conhecimentos do que tinham os estudantes da D. Dinis foi de 58%. A escola ficou muito aquém (37 pontos percentuais) do que seria expectável.
É este tipo de informação que nos dá o novo Indicador da Promoção do Sucesso Escolar do Ministério da Educação (ME) – que permite, na prática, criar um “ranking alternativo”, que faz a comparação entre escolas que à entrada do 2.º ciclo ou do 3.º recebem alunos com perfis idênticos (ver texto mais detalhado sobre este indicador). Aqui, não são as médias de exame que contam, mas o percurso que se faz até chegar à hora de prestar provas e a capacidade de ter ou não positiva. A D. Dinis tem o pior Indicador de Promoção do Sucesso do país, tal como ele é medido pela tutela. A direcção não se disponibilizou para falar ao PÚBLICO, apesar de vários pedidos.
O que é que Famalicão tem?
No extremo oposto, entre as cinco escolas que, à luz do novo critério do ME, mais promovem os “percursos de sucesso”, está a Básica de Ribeirão, em Vila Nova de Famalicão. Face ao tipo de alunos que recebeu no início do 2.º ciclo, o ME esperava que alcançasse uma percentagem de “percursos limpos” de 47% (menos do que era expectável para a D. Dinis). Conseguiu 65%.
Diz a directora, Elsa Carneiro: “A grande maioria dos alunos desta escola são oriundos de famílias carenciadas a nível socioeconómico.” Cerca de 50% são abrangidos pela Acção Social Sscolar. É fornecido suplemento alimentar. Perante um contexto potencialmente desfavorável, o que faz com que os alunos da Ribeirão estejam a melhorar as médias dos exames (atingiram os 3,01 valores, o que os coloca na 383.ª posição do “ranking tradicional” em mais de mil escolas) e, sobretudo, a conseguir “promover o sucesso”?
“Intensificámos o número de horas de apoio, por semana, a Português e a Matemática, não apenas para os alunos que revelam dificuldades de aprendizagem, mas também para os alunos que revelam boas capacidades”, responde. “Investimos num trabalho de sala de aula, apostando nas assessorias, no trabalho colaborativo entre pares (alunos e/ou professores). Oferecemos projectos e clubes que desenvolvem vários domínios, nomeadamente o Projecto Litteratus, de âmbito concelhio, que visa promover a educação literária. E há uma oficina de exames (6.º e 9.º anos) com o objectivo de preparar os alunos para a realização da prova final.”
Não é substancialmente diferente do que nos é dito por Isabel Matos, directora da Didáxis-Cooperativa de Vale S. Cosme, o estabelecimento de ensino que mais “percursos de sucesso” teve no 3.º ciclo do básico. E que fica também em Vila Nova de Famalicão.
Escolas com alunos semelhantes aos da Cooperativa de Vale S. Cosme conseguiram, em média, que 41% dos seus alunos tivessem um “percurso de sucesso”. Mas aqui conseguiu-se 58%. Esta escola, que tem a 217.º melhor média de exames do 9.º ano, neste “ranking alternativo” ocupa a 1.ª posição.
Sendo uma privada com características de pública (tem contrato de associação, o que significa que recebe financiamento do Estado), não cobra propinas. E há “alunos provenientes de vários estratos sociais”. Cerca de 43% têm apoio da Acção Social Escolar. Alguns têm necessidades educativas especiais. Isabel Matos destaca algumas medidas adoptadas. Entre os professores houve um “reforço do trabalho, nomeadamente ao nível da planificação de aulas e da elaboração de testes em conjunto”, o que “se repercute numa melhor articulação entre os vários ciclos de ensino”; os testes seguem a estrutura dos exames nacionais, nas disciplinas de Matemática e Português; aumentou-se o número de horas lectivas nas disciplinas sujeitas a exame nacional; e há “aulas de preparação” para exames que “começam logo na primeira semana da interrupção lectiva da Páscoa”. Tudo isto é feito a par de projectos vários, que vão “do xadrez” ao “empreendedorismo”.
Por isso, o facto de agora haver um “ranking alternativo” que não se limita a comparar as médias de exames alegra-a. “Afinal uma escola poderá não ser a melhor do ranking em termos absolutos, mas, se conseguiu acrescentar valor aos seus alunos, deve ser distinguida e o seu trabalho apreciado.” Os professores “dedicados e sempre disponíveis” da escola agradecem.
Vila Viçosa, onde a crise bateu forte
Na Escola Básica de Manhente, em Barcelos, que é também uma das cinco primeiras neste indicador, uma das armas para melhorar os resultados tem sido igualmente o reforço de horas nas disciplinas de Português, Matemática e nalguns casos também a Inglês. De 2014 para 2015 conseguiram galgar mais de 400 lugares no ranking das médias de exame e têm a 197.ª melhor posição, em mais de mil. O “bónus” de aparecerem bem colocados também nesta avaliação do sucesso é, por isso, motivo de alegria, até porque, nos últimos anos, têm sofrido os efeitos da concorrência de uma escola privada que fica perto, explica Jorge Fernandes, da direcção do Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria. “É uma cooperativa que não tem propinas muito altas, que oferece várias actividades como golfe e equitação, que nós não conseguimos oferecer, e os melhores alunos vão para lá.”
A satisfação de Jorge Fernandes contrasta com algum desapontamento revelado por Maria Paixão, adjunta da direcção do agrupamento de Escolas de Vila Viçosa, a que pertence a Secundária Públia Hortênsia de Castro.
Olhando para o desempenho médio nacional dos alunos com o mesmo nível de entrada no 3.º ciclo dos da Públia Hortênsia de Castro, 37%, em média, conseguiram um “percurso limpo” de chumbos. Mas a escola só obteve11%.
É certo que há anos aparecia sempre com muito maus resultados nos rankings tradicionais. Tão maus que em 2011 foram integrados num Território Educativo de Intervenção Prioritária — o que na prática significa que o Estado reconheceu que precisavam realmente de armas extras para lutar contra o insucesso. E tem resultado. Veja-se o que se passa no secundário: em 2013 conseguiram uma média nos exames de 7,33, em 2014 de 9,53 e, este ano, de 10,25. Estão na posição 346 do ranking tradicional, em 584 escolas — 74 lugares acima do que ocupavam no ano passado.
“No 9.º ano, este ano tivemos 3,14 de média no exame de Português, o que é superior à nacional”, conta ao telefone — tem os números todos à frente, todos os indicadores na ponta da língua. “Foram 81,94% de positivas a Português.” E a Matemática? Pois, o problema está aí.
“Em 2012/13 tivemos média de 2,19 no exame de Matemática, e em 2013/14 já foi de 2,75... A Matemática sempre foi o calcanhar de Aquiles, mas estava a melhorar também. Só que este ano foi anormalmente mau. Muitos alunos já vinham com negativa a Matemática do 7.º e do 8.º ano”, diz. “E a taxa de sucesso no exame do 9.º foi 12,5%.” E assim se explica, na sua opinião, que a escola esteja tão mal neste “ranking alternativo” que o PÚBLICO fez a partir do indicador fornecido pelo ME que valoriza duas coisas: quem passa e quem tem positiva.
O contexto desta escola não é fácil e tem sofrido “uma degradação profunda”: nos últimos anos, a indústria de extracção e transformação de mármore que dava emprego a muita gente tem enfrentado dificuldades. “Era o principal empregador do concelho”, diz Maria Paixão. “Mas muitas pessoas ficaram sem trabalho. Temos 44% dos nossos alunos com Acção Social Escolar e muitos deles, que viram os irmãos e os primos irem para o superior, agora vêem que eles estão sem emprego também. A escola deixou de ser valorizada como projecto de vida.”
Mesmo assim os professores foram “apanhados de surpresa” pelos resultados dos alunos. E têm debatido muito o que fazer. “Temos andado a repensar estratégias e a implementar novos apoios. Coadjuvações [ter dois professores na mesma turma], criar grupos de alunos de nível homogéneo, dar aulas mais práticas. Vamos ver se resulta!”