Pela primeira vez, nasceram cachorros por fertilização in vitro

Pode parecer uma notícia antiga mas não é. Durante décadas, as tentativas de fertilização in vitro falharam rotundamente nos cães. Agora, foi descoberta a receita do sucesso.

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Dois dos primeiros sete cachorros a ter sido gerados por fertilização in vitro Universidade Cornell
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A primeira autora do estudo, Jennifer Nagashima, com um dos cachorros Jeffrey MacMillan

Chamam-se Ivy, Cannon, Beaker, Buddy, Nelly, Red e Green e nasceram no Verão passado. Mas só na quarta-feira é que o feliz acontecimento foi anunciado pela equipa responsável, num artigo publicado na revista online de acesso livre Plos One.

O que é que estes cachorros têm de especial? É que, apesar de fazerem parte da mesma ninhada, foram gerados através de fertilização in vitro (FIV) por três casais de cães diferentes e implantados, quando ainda eram embriões, no útero de uma única cadela que se tornou a “mãe” de todos eles.

O resultado tem implicações não só para a conservação de espécies de cães consideradas em perigo, mas também para o estudo das doenças genéticas dos canídeos, muitas das quais também existem nos humanos.

Pode parecer difícil de acreditar, mas a FIV, que funciona tão bem no ser humano e noutras espécies, nunca tinha até aqui resultado nos cães. Isto deve-se ao facto de a fisiologia reprodutiva dos nossos melhores amigos ser diferente da dos outros mamíferos, explicam Alexander Travis, da Universidade de Cornell, e colegas no seu artigo.

“Desde meados dos anos 1970 que os especialistas têm tentado fazê-lo, mas em vão”, diz Travis em comunicado da sua universidade.

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O primeiro desafio, lê-se ainda no comunicado, foi recolher ovócitos em cadelas numa altura em que eles são capazes de dar origem a embriões. Após uma série de tentativas e erros, os autores descobriram que, se até aqui não fora possível fecundar os ovócitos, era porque estavam a ser colhidos…um dia antes de ficarem suficientemente maduros.

“Ao contrário dos outros mamíferos, as cadelas ovulam um ovócito primário que após quatro a cinco dias atinge [a fase em que é habitualmente utilizado na FIV]”, escrevem os cientistas. “Mas nós descobrimos que só no sexto dia é que eram (…) fertilizáveis.”

O segundo desafio foi preparar o esperma para a fecundação. Aqui, foram as co-autoras Jennifer Nagashima e Skylar Sylvester que descobriram que essa preparação exigia acrescentar magnésio aos nutrientes da solução de cultura dos espermatozóides.

“Quando fizemos estas duas alterações, atingimos uma taxa de sucesso na fertilização de 80 a 90%”, diz Travis.

O terceiro desafio consistiu em congelar, sem os destruir, os embriões obtidos através de FIV, de forma a implantá-los numa mãe portadora precisamente na altura em que ela estivesse pronta para os acolher – o que apenas acontece, nos canídeos, uma ou duas vezes por ano. Neste caso, aproveitaram a experiência adquirida anteriormente no mesmo laboratório, uma vez que, em 2013, salienta ainda o comunicado, a equipa de Travis conseguira produzir “o primeiro cachorro do Hemisfério Ocidental a partir de um embrião congelado”, obtido por fecundação natural.

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Dezanove embriões foram assim transferidos para o útero de uma cadela, que deu à luz sete cachorrinhos, todos de boa saúde. Dois eram filhos de uma fêmea de raça Beagle e de um macho Cocker Spaniel; e os outros cinco provinham de dois casais de cães de raça Beagle. Segundo o site da BBC News, seis deles já arranjaram casa.

“Já conseguíamos congelar e conservar o esperma [dos cães] e usá-lo para inseminação artificial. E também congelar ovócitos, só que não eram utilizáveis porque a FIV não funcionava” nos cães, salienta Travis. “A partir de agora, podemos utilizar [a FIV] para conservar a genética das espécies ameaçadas”, reintroduzindo os seus genes na população canídea se necessário. A preservação de raças particularmente raras de cães também se torna possível.

Para além das questões de biodiversidade, estes resultados abrem também o caminho à futura erradicação, graças a novas técnicas de manipulação genética, de doenças hereditárias dos cães devidas ao alto nível de consanguinidade das diversas raças. Sabe-se, por exemplo, que os Golden Retrievers têm uma propensão a desenvolver linfomas (cancros do sangue), enquanto os dálmatas são portadores de um gene que os predispõe a desenvolver cálculos urinários potencialmente perigosos, diz ainda o comunicado. “Graças a uma combinação de técnicas de edição genética e de FIV, tornamo-nos potencialmente capazes de prevenir as doenças genéticas antes de elas se manifestarem”, frisa Travis.

Por último, como escrevem ainda os autores, existem mais de 350 doenças ou características hereditárias nos cães que têm o seu equivalente patológico no ser humano – o que representa quase o dobro em relação a outras espécies de mamíferos. Por isso, conclui Travis, os cães poderão constituir, a partir de agora, “uma ferramenta muito útil para conseguirmos perceber melhor as bases genéticas dessas doenças.”

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