Corações embalsamados há 400 anos revelam sinais de doença cardíaca
Órgãos estavam guardados dentro de pequenas urnas de chumbo em forma de coração.
Nas ruínas de um convento medieval na cidade de Rennes, no Oeste de França, uma equipa de arqueólogos encontrou cinco pequenas urnas de chumbo em forma de coração, cada uma contendo um coração humano embalsamado. Agora, cerca de 400 anos depois de terem sido sepultados, os investigadores usaram as técnicas da ciência moderna para estudar estes corações antigos. Afinal, três deles apresentam sinais de uma doença cardíaca muito comum hoje em dia.
“Cada coração é diferente e tem a sua quota-parte de surpresas”, diz o antropólogo Rozenn Colleter, do Instituto Nacional para a Investigação Arqueológica Preventiva, em França. “Quatro corações estão muito bem preservados. Em arqueologia, é muito raro trabalhar com materiais orgânicos. Essa perspectiva é muito interessante.”
Um dos corações parece saudável, sem sinais de doença. Três apresentam indícios de doença – aterosclerose –, tendo placas de gordura e outras substâncias nas artérias coronárias. O quinto coração encontra-se em mau estado de preservação.
“Só um dos corações era de uma mulher e está completamente degradado, impedindo qualquer estudo”, diz Fatima-Zohra Mokrane, radiologista do Hospital Universitário de Toulouse, no Sudoeste de França.
Outro dos corações era de um nobre, identificado pela inscrição na pequena urna de chumbo como Toussaint Perrien, cavaleiro de Brefeillac, que morreu em 1649. Na altura da sua morte, removeram-lhe o coração e mais tarde sepultaram-no com a sua mulher, Louise de Quengo, dama de Brefeillac, que morreu em 1656. Excepcionalmente bem preservado, o corpo de Louise de Quengo tinha sido encontrado em Março de 2014 num caixão no mesmo local, o Convento dos Jacobinos de Rennes, e ainda envergava uma capa, um vestido de lã, uma touca e sapatos com solas de cortiça.
“Era comum naquele tempo ser-se sepultado com o coração do marido ou da mulher. Foi o caso de um dos nossos corações. É um aspecto muito romântico das sepulturas”, considera Fatima-Zohra Mokrane, citada num comunicado da Sociedade Radiológica Norte-Americana, em cuja reunião anual o trabalho de investigação arqueológica no Convento dos Jacobinos de Rennes foi apresentado. Construído em 1369, este convento tornou-se um local importante de peregrinação e de inumações, entre os séculos XV e XVII. Mais de 800 sepulturas foram encontradas nas escavações arqueológicas, entre 2011 e 2013.
A urna de chumbo em forma de coração mais antiga é de 1584 e a mais recente de 1655. Os investigadores limparam cada um dos corações, removendo-lhes o material de embalsamamento e examinando-os com técnicas como a imagiologia por ressonância magnética e a tomografia axial computorizada (TAC), além de outros métodos mais clássicos, como a dissecação e estudo dos tecidos orgânicos.
“Tentámos ver se conseguíamos obter informação mantendo os corações no seu estado embalsamado, mas os materiais de embalsamento dificultavam essa tarefa”, explica Fatima-Zohra Mokrane, no comunicado. Quando os corações voltaram a ser hidratados, refere ainda o comunicado, a imagiologia por ressonância magnética permitiu identificar os músculos do miocárdio (a obstrução das artérias coronárias com as placas mencionadas leva à morte de parte dos tecidos do miocárdio, originando um enfarte cardíaco).
Para aquela radiologista, um dos aspectos mais importantes do estudo foi a descoberta de que há centenas de anos as pessoas tinham aterosclerose – doença em que placas constituídas por gordura, colesterol, cálcio e outras substâncias se acumulam no interior das artérias. Ao longo do tempo, essas placas endurecem e tornam as artérias mais estreitas, o que causa ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. “A aterosclerose não é uma patologia recente, porque a encontrámos nos diferentes corações que estudámos.”