Quatro artistas e um atelier. Entrar neste é como entrar numa galeria de arte permanente. À medida que me contam a história do espaço olho em volta para absorver toda a informação. A inspiração é indubitável, apesar do nome. Nas paredes estão em exposição algumas peças em execução e outras que ocupam um posto honorário em galeria até chegar o momento do destino final; os espaços de trabalho estão delineados pela personalização muito própria de cada uma e as mesas estão cheias de projetos e material de trabalho. Reparo que a luz das janelas amplas acentua o bélico do caos artístico típico de um atelier enquanto as artistas plásticas Ana Velez, Joana Gomes, Maria Sassetti e Xana Sousa me falam sobre o que implica ser artista plástica em Portugal.
con·ten·ci·o·so [latim contentiosus, -a, -um] adj. 1. Sujeito a litígio ou a disputa [ex.: questão contenciosa]. 2. Relativo a contenção ou contenda [ex.: jurisdição contenciosa]. 3. Sujeito a dúvidas. = DÚBIO, DUVIDOSO, INCERTO 4. Em que pode haver reclamações.
O Atelier Contencioso abriu as portas a 2 de Fevereiro de 2015. Um espaço arejado de mais ou menos 60 metros quadrados no 4.º andar do edifício principal da LX Factory, em Lisboa, que estas artistas agora ocupam. “Atelier” porque precisavam acima de tudo de um refúgio, um local de introspeção artística que pudessem chamar de local de trabalho; “Contencioso” de nome adjetivado, adotado pela situação dúbia na procura e de um encontro ao acaso que surgiu durante os seis meses de procura.
A decisão de ficarem com este espaço na LX Factory foi tudo menos contenciosa, e apesar das obras de beneficiação tem servido o propósito tanto à arte delas como a outros que têm podido visitar e utilizar o espaço noutros projetos. “A busca de atelier ocupou-nos seis meses ao longo dos quais cruzámos diversos espaços, até que um identificado com uma placa de ‘Contencioso’ se atravessou no nosso caminho. Apaixonámo-nos imediatamente pelo espaço e, apesar de não termos ficado com o dito, achámos que o nome refletia tudo aquilo pelo que passávamos naquele momento. Daí termos escolhido o nome ainda antes de termos encontrado um espaço físico definitivo.”
Comodamente sentadas nos sofás charmosos do café Quarto com Vista, em frente ao atelier, contam-me como se conheceram: a Xana, a Maria e a Joana partilharam o percurso académico pela FBAUL em 2004 e mais tarde cofundaram o Colectivo Tempos de Vista; a Ana e a Joana conheceram-se durante uma residência artística na BIS 7.ª Bienal de São Tomé e Príncipe em 2013. De forma natural juntaram a vontade comum de ter um espaço criativo, as tintas e os materiais, e hoje em dia o trabalho desenvolve-se em harmonia naquele espaço onde diferentes personalidades co-habitam de forma criativa. Cada artista tem uma identidade de trabalho muito própria e marcada, apesar de admitirem que por vezes ocorrem contaminações normais de um atelier onde existe uma postura comum de diálogo construtivo, partilha de ideias e ideais em relação ao mundo da arte.
Quatro lisboetas, geradas em 82 e 86 e com formação nas artes plásticas. O curriculum é extenso e impressionante o que dá um privilégio ainda maior poder sentar a conversar com estas artistas de uma área que tanto fascina. Todas já participaram em várias exposições nacionais e internacionais, em projetos individuais, colectivos e coautorais, desenvolvendo um corpo de trabalho que nunca mais acaba; e têm recebido bolsas e apoios de diversas fundações e instituições.
Quem é quem?
A Maria é licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, prosseguiu a sua formação em Londres, no Chelsea College of Art and Design. Desde 2007, que o seu trabalho debate as condições do espaço, as memórias e narrativas dos lugares, situações efémeras e de tensão. Em 2011, estagiou no Centro Cultural Wave Hill, em Nova Iorque, onde integrou a equipa de curadoria e produção. É membro fundador do Colectivo Tempos de Vista realizando projetos expositivos e de curadoria. Fez desenho de cena e performance para a leitura encenada da Odisseia, Suites Mitológicas no Castelo de S. Jorge (2013), e é atualmente ilustradora para a infância na Alethêia Editores, monitora no Serviço Educativo do Museu da Carris e formadora de Desenho na Odd School – Creative Media.
A Ana vive e trabalha entre Lisboa e Los Angeles, E.U.A., e que já passou por Madrid, Veneza e Paris, fala-me de algumas dificuldades que derivam de viver entre dois mundos de culturas tão diferentes. Estudou na Accademia Albertina delle Belle Arte di Torino, Itália, e na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, onde realizou a sua Licenciatura e Mestrado em Pintura. A sua atividade tem sido marcada por exposições individuais e colectivas no âmbito institucional, mas também por projetos colectivos de arte urbana. É cofundadora e membro ativo de Vazarte, colectivo multidisciplinar dedicado a criar projetos reflexivos, espaços de arte e criações de arte urbana, onde destaca uma série de intervenções pictóricas sobre edifícios deteriorados ou já desaparecidos. Aborda temáticas que giram em torno do conceito de identidade, baseando-se em três conceitos, o lugar, a memória e o corpo, e ressaltando o lugar como contentor da memória e identitário. O seu trabalho figura em várias colecções institucionais e privadas, nacionais e internacionais, e desde 2012 que é representado pela Miguel Justino | Contemporary Art.
A Joana é artista plástica com Licenciatura e Mestrado em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Trabalhou em museus e galerias como assistente de produção e guia de museu, nomeadamente, na Galeria Baginski e Projetos, e no MUDE. Estagiou no Carpe Diem – Arte e Pesquisa. Atualmente, é monitora e coordenadora do Serviço Educativo do Museu da Carris. Paralelamente, dá formação de Desenho na Odd School – Creative Media. Participou em publicações e ciclos de conferências, e é cofundadora do Colectivo Tempos de Vista, ativo desde 2008. O seu trabalho convoca narrativas em tom cinematográfico e explora o próprio processo artístico. Compondo-se maioritariamente por pinturas que, por vezes, recebem vídeos projetados.
A Xana concluiu o mestrado em Criação Artística: Realismos e Contextos na Faculdade de Belas-Artes de Barcelona, em 2010, depois de se licenciar em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, em 2008. Integra o Colectivo Tempos de Vista, que desde 2008 realiza projetos expositivos e de curadoria, até ao momento apoiados pela Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Nacional de Cultura, CML, FBAUL – Cieba e FCT. Paralelamente é formadora de Anatomy Drawing e Traditional Painting na Odd School – Creative Media, monitora do Serviço Educativo do Museu da Eletricidade e Museu da Carris, tendo também trabalhado com a Clark Art Center, na exposição itinerante de Lygia Clark, em 2013. Como artista visual explora novos materiais e investiga sobre os conceitos de memória, objecto e espaço, expondo regularmente.
Recentemente realizaram obras site-specific de grande escala para o projeto Rio Maravilha, um gastrobar que inaugurou no dia 22 de Outubro na LX Factory; a Joana, a Maria e a Xana, com o Colectivo Tempos de Vista, têm patente até ao final do ano na Viarco e na Oliva Creative Factory a exposição Circuitos de Repetição, onde no último fim-de-semana de Novembro de 2015 lançaram o catálogo da mesma; e a Ana tem duas exposições colectivas marcadas para 2016, uma intitulada PERIPLOS – Arte portugués de hoy, em Fevereiro no Centro de Arte Contemporânea de Málaga, Espanha; outra em Maio na Miguel Justino | Contemporary Art; e uma terceira individual, intitulada One image a day, em Novembro de 2016 na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Se tiverem oportunidade aconselho a visitar tanto os locais onde podemos encontrar a sua arte, como o charmoso atelier ocupado por estas quatro artistas fantásticas.