Luaty assume em tribunal desejo de demissão de José Eduardo dos Santos
“É meu íntimo desejo que o Presidente da República se aperceba que já deu o suficiente à nação” e "chegou o momento de aposentar-se", disse o activista que esteve 36 dias em greve de fome.
Luaty Beirão, o mais mediático dos 17 activistas que estão a ser julgados em Luanda por “actos preparatórios” de rebelião, deixou claro em tribunal o desejo de ver José Eduardo dos Santos deixar o poder e qualificou Angola como uma "pseudo-democracia que encobre uma ditadura".
“Sim, queria que o Presidente da República se demitisse”, disse, esta terça-feira , citado pelo site noticioso Rede Angola, em resposta ao juiz Januário Domingos, que quis saber se pretendia a destituição do chefe de Estado. “É meu íntimo desejo que o Presidente da República se aperceba que já deu o suficiente à nação” e que “chegou o momento de aposentar-se”.
Um dos advogados de defesa, Luís Nascimento, confirmou ao PÚBLICO que o rapper e activista que esta terça-feira começou a ser ouvido “assumiu o desejo de demissão do Presidente, mas frisou que essa é uma faculdade dele, e disse que achava que o devia fazer por já ter dado muito ao país”.
Luaty, que com uma greve de fome de 36 dias chamou a atenção internacional para o caso dos activistas acusados de “actos preparatórios” de rebelião e atentado contra o Presidente, não hesitou em definir Angola como uma “pseudo-democracia que encobre uma ditadura”.
“Considerou o Presidente da República um ditador por achar que está há muito tempo no poder, por nominalmente nunca ter sido eleito e por incumprimento sistemático da Constituição”, contou ao PÚBLICO Luís Nascimento. “Disse que para além de concentrar poderes excessivos na sua pessoa, o Presidente é o primeiro a violar a Constituição que jurou respeitar e a interferir nos poderes judiciais e legislativos”.
Citado pelo Rede Angola, outro advogado, Walter Tondela, afirmou que as declarações de Luaty confirmam aquilo que a defesa já tinha alegado – que os activistas pretendiam "a destituição do governo, mas não atentar contra as instituições, muito menos realizar manifestações que, de certa forma, levassem à destituição do Governo ou do próprio Presidente”.
José Eduardo dos Santos, designado em 1979 Presidente pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, partido governamental) foi o mais votado na primeira volta das presidenciais de 1992, mas sem maioria absoluta. A segunda volta nunca se realizou devido ao recomeço da guerra civil. Após a revisão constitucional de 2010, que aprovou a eleição como chefe de Estado do cabeça-de-lista do partido mais votado, foi eleito indirectamente em 2012, devido ao triunfo do partido nas eleições gerais.
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Ao longo de cerca de três horas, os três juízes fizeram esta terça-feira dezenas de perguntas ao activista. O juiz Januário Domingos quis saber, segundo a rádio Voz da América, se os 15 detidos desde Junho e duas arguidas que estão em liberdade pretendiam mobilizar crianças e idosos para entrarem no palácio presidencial, aproveitar a quebra do preço do petróleo para derrubar o Governo e substituir a Constituição.
Luaty respondeu negativamente a todas as questões. “Nunca em momento algum eu seria capaz de convocar mulheres com crianças seja para o que for, quanto mais onde existem manifestações com tanques de guerra”, declarou, segundo o Rede Angola.
O músico e activista, que é também acusado de “forjar “autorizações de saída para o estrangeiro”, deve ser esta quarta-feira interrogado pelo Ministério Público. Mas já adiantou que não responderá a perguntas da procuradora. Só deve voltar a falar em resposta aos advogados de defesa.
A defesa tem contestado a validade de vídeos, cartas e outros elementos apresentados como prova por entender que além de não confirmarem a intenção de rebelião foram obtidos irregularmente e que isso pode implicar a anulação do processo. Considera também que até agora a acusação nada de novo trouxe ao processo. “Parece querer obter a confissão pelas perguntas que faz. É uma acusação à procura de provas”, afirma Luís Nascimento.
No início do julgamento, a 16 de Novembro, em declarações à agência Lusa, Luaty, filho de João Beirão, fundador e primeiro presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), que já morreu, disse que a decisão sobre o caso está nas mãos do Presidente. “Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro, a gente conhece e sabe bem como funciona [o julgamento]. Por mais argumentos que se esgrimam aqui e por mais que fique difícil de provar esta fantochada, se assim se decidir seremos condenados. E nós estamos mentalizados para a condenação", disse.
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Não é uma questão de confiança [no desfecho do julgamento]. Nós preferimos estar mentalizados para o pior, preferimos assim. Depois, se correr pelo melhor, vamos ficar contentes. Agora estar confiante e depois levar com uma pena, a gente fica desmoralizado", afirmou ainda.
Luaty Beirão é o sétimo arguido a ser ouvido, o segundo na terceira semana de julgamento, depois de Inocêncio de Brito, estudante de Economia na Universidade Católica, que, na segunda-feira, teve aquela que foi até agora a mais curta audição, de apenas três horas. Nesta quarta-feira deve chegar ao fim o depoimento do rapper e começar o do arguido Arante Lopes. Em Lisboa, no Rossio, realiza-se, entre as 18h e as 20h, uma concentração a favor da libertação dos activistas.