Paris saiu à rua para combater as alterações climáticas e o estado de emergência
A um dia do início da Cimeira do Clima em Paris, os parisienses saíram à rua e formaram um cordão contra as alterações climáticas. Londres, Sidney, Tóquio, Nova Deli, Berlim e outras cidades querem uma mudança na política climática.
Os sapatos são escuros, os atacadores são azuis, a mensagem é clara. “Se é para escolher um combate, que seja o clima”, lê-se num cartão posto nos sapatos. Em Paris, a luta contra as alterações climáticas reveste-se de um significado político mais abrangente numa altura em que a França está a bombardear a Síria em nome da guerra contra o terrorismo. Na Praça da República, havia neste domingo 20.000 pares de sapatos, ténis, sapatos de salto-alto, botas de mulher e de homem. A instalação é um protesto silencioso um dia antes do início da Cimeira do Clima em Paris (COP21), que vai reunir os líderes mundiais e representantes de 195 países para se chegar a um acordo sobre as emissões dos gases com efeito de estufa.
Em todo o mundo, dezenas de milhares de cidadãos saíram neste domingo à rua para exigir que se chegue a um acordo que reduza efectivamente aquelas emissões, responsáveis pelas alterações climáticas, que vão ter consequências graves para a Terra e para as sociedades humanas. Mas em Paris a situação é mais complicada. Os sapatos colocados na Praça da República são uma substituição das pessoas que escolheriam marchar naquela praça caso pudessem. Mas os recentes atentados terroristas em Paris, a 13 de Novembro, que mataram 130 pessoas, fizeram com que o Governo francês, ao abrigo do estado de emergência, proibisse a marcha.
No entanto, os parisienses responderam a esta limitação com imaginação e desafiaram as medidas com um cordão humano na manhã de domingo. “Isto é um momento para todo o mundo dar as mãos”, apelou Iain Keith, director da campanha pela Avaaz, uma organização de activismo global, citado pela agência Reuters. Segundo Alix Mazounie, da Rede Francesa de Acção pelo Clima, os activistas decidiram que um cordão humano não violaria o estado de emergência. “Isto não é desobediência civil”, explica, com um exemplo de que o cordão não atravessa as ruas, permitindo o trânsito fluir.
Apesar de a memória recente dos tiros e das explosões feitos pelos jihadistas do Daesh, que trouxeram o terror até às ruas do centro de Paris e na sala de espectáculos Bataclan, 10.000 pessoas participaram no protesto, afirmaram as organizações. Segundo a polícia, os números eram na ordem dos 4500.
“É necessário fazer-se pressão pública aos dirigentes. Ficámos muito desapontados pela anulação da manifestação, mas esta é uma boa alternativa”, defende Aude, de 29 anos, que veio com mais duas amigas, todas investigadoras em ciências da terra e da vida, e falou com a AFP. Léo, estudante em filosofia, 21 anos, é mais contundente: “Este cordão humano é um contrapoder de cidadãos em reacção à conferência oficial que será contra-produtiva, porque ela é feita com industriais e os seus interesses são contra a ecologia.”
Nas ruas, os cartazes transportados pelos manifestantes ecoam esta ideia. “Eles só são grandes se nós estivermos de joelhos” ou “Eles exploram, eles poluem, eles lucram! A urgência é social e climática!” Na Praça da Liberdade, mais mensagens. “Caros chefes do mundo, não se esqueçam de lutar contra os atentados… ao ambiente!”, pede um cartão em forma de coração, preso a uns sapatos com folhas e flores à volta.
No meio do calçado, uns ténis foram mascarados de bandeira francesa com cera azul, branca e vermelha de velas diferentes. Dentro de um deles saía uma planta com uma flor branca, como se a liberdade, a igualdade e a fraternidade, os valores da república francesa associados às cores da bandeira, estivessem simbolicamente a sustentar a natureza.
Entre os vários pares, estariam sapatos de Ban Ki-moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas ou as botas da actriz francesa Marion Cotillard, segundo a organização. “Mesmo o Papa Francisco enviou um par”, diz um membro da Avaaz, citado pela AFP. Várias mulheres vestidas de anjo pousavam entre os sapatos denominando-se as Guardiãs do Clima, e traziam mensagens como “O carvão mata” ou “Justiça climática. Sem desculpas”.
Ao início da tarde, contudo, o panorama mudou naquela zona de Paris. A polícia e várias centenas de homens vestidos de preto e mascarados entraram em confronto. Os manifestantes, ligados a grupos que se autodenominavam “Anticop21”, lançaram projécteis contra a polícia, que por sua vez respondeu com gás lacrimogéneo, descreve a AFP. Por volta das 15h da tarde, a manifestação já tinha sido dispersada. A polícia deteve 100 pessoas.
Numa comunicação conjunta neste domingo, o Presidente francês François Hollande e o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau exigiram um acordo ambicioso. “Vamos ter de rever periodicamente os compromissos e as contribuições para realmente conseguirmos chegar ao fim do século como menos de dois graus [de aquecimento global]”, disse Hollande numa conferência de imprensa após ter estado reunido ao pequeno-almoço com o governante canadiano, que prometeu dar aos países em desenvolvimento 1900 milhões de euros para lutar contra as alterações climáticas nos próximos cinco anos.
Os dois graus de temperatura são o limite definido por políticos e cientistas a partir do qual as mudanças na Terra vão ser mais radicais e terão um impacto maior no clima. François Hollande defendeu que um acordo ambicioso “é um acordo que seja obrigatório, porque se não há um elemento de obrigação, não haverá credibilidade”, disse, citado pela AFP.
Enquanto isso e ao longo do dia, foram ocorrendo manifestações em Sydney, em Jacarta, em Tóquio, em Seoul, em Manila, em Nova Deli, em Hong Kong, em Kiev, em Atenas, em Berlim, no Mónaco, em Roma, em Helsínquia, em Estocolmo, em Amesterdão, em Bruxelas, em Viena, em Madrid, em Lisboa, em Londres, no Rio de Janeiro, entre mais cidades.
A posição dos manifestantes é clara. “Não há nada mais importante hoje do que atacar as alterações climáticas”, defendeu Kate Charlesworth, uma médica de Sydney, na Austrália. “Daqui a dez anos, os meus filhos vão questionar-me: ‘Mamã, tu sabias disto?’”