Uma loja para crianças onde o dinheiro não entrou

Um espaço com roupa, calçado, material escolar e brinquedos. Tudo para crianças. O conceito da street store foi importado e adaptado às necessidades das crianças institucionalizadas do Porto, que puderam escolher aquilo que mais lhes agradasse

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Marco Duarte
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Cerca de 120 crianças, de dez instituições de apoio social da cidade, tiveram oportunidade neste sábado de visitar um espaço pensado exclusivamente para elas, onde poderiam, através de vouchers, “comprar” aquilo que mais gostassem. O evento Kids Street Store, organizado pela associação Bairro do Amor na Quinta da Bonjóia, da fundação municipal Porto Social, contou com mais de 60 voluntários, que se distribuiam na ajuda aos clientes a escolher o que queriam comprar, os penteados que queriam usar ou as actividades lúdicas, alusivas ao Natal, que pretendiam realizar.

O evento revelou-se um sucesso, traduzido na felicidade com que aquelas crianças, muitas pela primeira vez, puderam efectivamente escolher o que queriam mesmo, sem dependerem dos donativos que chegam usualmente às instituições. Rita Aragão, responsável pelas crianças do Lar Nossa Senhora do Livramento, salienta a importância de eventos como este: “Para além das roupas, tiveram também a possibilidade de irem ao cabeleireiro, contactarem com a parte relacionada à imagem. Achámos que o conceito era muito interessante e que as meninas tinham necessidade de ter uma experiência diferente”. O lar trouxe à Street Store nove raparigas, apesar de a instituição ter a seu cargo 46: “Algumas já estão na faculdade, outras estavam nas famílias de afecto”, esclarece Rita, motivo pelo qual não foram todas. A responsável refere que, de uma forma geral, as crianças institucionalizadas são vestidas com donativos e através de parcerias. Mas a possibilidade de escolha nunca é tanta como a que as raparigas encontraram na Bonjóia. Talvez por isso Rute, de 14 anos, se mostre tão entusiasmada: “Acho esta oportunidade espectacular, não é todos os dias que temos uma oportunidade destas. As pessoas são muito queridas em darem-nos estas coisas”.

Os sete rapazes do Internato de S. João que compareceram estavam noutra zona do evento, onde desenvolviam uma actividade lúdica: faziam árvores e decorações alternativas para o Natal. Pedro, de 18 anos, resume o objectivo: “Isto puxa pela nossa criatividade e ajuda-nos a distrairmo-nos, é um dia diferente”. Jorge, de 13 anos, complementa: “Ajudaram a fazer-nos pessoas mais felizes”. O responsável da instituição, Paulo Lages, sublinha a diferença que o dia fez: “Normalmente tentamos jogar com os donativos que as pessoas fazem e com o orçamento que temos, mas é complicado. Hoje, eles tiveram muito mais liberdade de escolha naquilo que vestem”. Do total de 34 crianças e jovens que a instituição alberga, compareceram todos os que nela ficam ao fim-de-semana. Quando questionado acerca do impacto que a iniciativa teve, Paulo Lages salienta que, apesar da vergonha inicial, os voluntários ajudaram as crianças a sentirem-se confortáveis.

Manuel Pizarro, vereador da Habitação Social na Câmara do Porto, que visitou o Kids Street Store ao inicio da tarde, salienta que a autarquia “apenas ajudou em alguns aspectos logísticos”. E deixa bem claro: “Esta é uma iniciativa da sociedade civil”. Considera a ideia positiva, pelo seu carácter inovador: “É um evento muito bonito, porque, além de oferecer às crianças um conjunto de bens de que estas manifestamente precisam, com oportunidade de escolha, ainda os oferece embrulhados num programa de animação construído com imenso cuidado e carinho”.

Já ao final da tarde, Marta Pereira, madrinha do distrito do Porto da instituição Bairro do Amor, mostra-se satisfeita com o resultado: “Acredito que as instituições e as crianças tenham ficado surpreendidas quando cá chegaram, por terem literalmente um loja montada para elas. Havia bens e havia pessoas, só não entrou aqui o dinheiro. Elas entraram à defesa, mas quando faziam o percurso acabavam por se sentir bem. Conseguiu-se aqui combater o estigma de criança institucionalizada, o que foi a nossa maior conquista.”  

A ideia inicial desta Street Store dedicada às crianças passava por fazer o evento na rua, como originalmente está concebido. No entanto, alguns constrangimentos fizeram com que a iniciativa fosse adaptada às condições da cidade: “Percebemos que, apesar de haver muitas crianças a morar na rua, os pais não as levariam [à Street Store], porque poderiam ser identificados pelas CPCJ [Comissão de Protecção de Crianças e Jovens]. Adaptámos por isso a Street Store às instituições”, refere a madrinha. Das 30 que foram contactadas, dez responderam positivamente ao repto, e será para estas que o material sobrante será redireccionado, bem como para mais duas que se mostraram interessadas em participar apenas na véspera, pelo que já não foi possível à organização incluí-las no evento.  Os donativos vieram das mais variadas empresas e houve até algumas surpresas: uma empresa de calçado doou 350 pares de sapatos e uma conhecida marca de roupa 120 peças novas. O projecto foi, segundo Marta Pereira, “90% organizado via redes sociais”. Texto editado por Álvaro Vieira

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