Padre e falsas freiras suspeitos de escravidão ficam com medida de coacção mínima
Arguidos estiveram esta segunda-feira no Ministério Público de Vila Nova de Famalicão onde os esperavam várias pessoas os apuparam. Crime de maus tratos, que estava a ser investigado, já não está em causa.
O padre e as três irmãs do “Convento de Santa Luzia”, em Requião, Vila Nova de Famalicão, onde a Polícia Judiciária (PJ) fez buscas na passada quarta-feira por suspeitas de crimes de maus tratos e escravidão, vão aguardar a restante investigação sujeitos a Termo de Identidade e Residência (TIR), a medida de coacção mais leve que é, aliás, inerente à condição de arguido.
Os quatro arguidos, da Fraternidade Missionária do Cristo Jovem, foram esta segunda-feira interrogados no Ministério Público de Vila Nova de Famalicão tendo ficando apenas indiciados pelo crime de escravidão. O procurador, que deixou de sustentar na indiciação o crime de maus tratos que estava inicialmente em causa, teria de ter requerido que fossem interrogados por um juiz de instrução criminal se considerasse que era necessária uma medida mais grave. Só um juiz pode aplicar uma medida de coacção que condicione mais a liberdade dos arguidos.
O padre Joaquim Milheiro, de 84 anos, e as três irmãs, entre os 60 e os 70 anos, chegaram pelas 09h30 às instalações do MP sob insultos de diversas pessoas que os esperavam. “Nenhum arguido prestou hoje declarações para a serenidade do processo judicial e para que o inquérito siga os trâmites normais”, disse o advogado Ernesto Salgado. O advogado realçou que, neste momento, já não há “noviças” na instituição. Sublinhando que duas jovens “noviças” não apresentaram formalmente queixa às autoridades, Ernesto Salgado, admitiu, no entanto, que o objectivo é que a instituição volte a ter “noviças”.
A investigação da PJ do Porto terá começado com as queixas de pelo menos duas alegadas noviças. Seis delas terão sido escravizadas nos últimos dez anos. Os seus relatos dão conta de que eram recorrentemente impedidas de ver a família e sujeitas a castigos corporais e até impedidas de comer quando não obedeciam às ordens dos arguidos. Esta investigação poderá também trazer novos dados sobre o caso de uma noviça que apareceu morta nas instalações daquela associação há mais de três anos. Na altura, o processo foi arquivado concluindo-se que terá sido suicídio, mas agora as vítimas que apresentaram queixa à polícia relacionam os maus tratos com o desfecho desse caso.
A Fraternidade Missionária do Cristo Jovem foi fundada em 1978 como uma associação de fiéis, mas não é uma ordem ou uma congregação religiosa, pelo que nem as três irmãs são freiras, nem as jovens vítimas são noviças. Tão pouco o edifício que construíram em Requião é um convento, apesar de ser identificado pelas gentes da terra dessa forma. O equívoco dura há décadas de tal forma que surge como um segredo bem guardado. “Este convento não é um lugar de turismo, é uma casa de oração”, lê-se no letreiro colocado no longo portão de ferro que veda a entrada na sede da associação de fiéis.
Esta segunda-feira, à entrada no MP, uma das irmãs suspeitas admitiu aos jornalistas que tem sofrido com as acusações de que foi alvo, tal como a sua família. A arguida “nunca pensou” que lhe fizessem “uma coisa destas”, mas perdoa porque tem “milhares de amigos” consigo. “Jesus foi mais achincalhado do que nós”, afirmou.
As arguidas continuam a insistir que são freiras, apesar de a Arquidiocese de Braga, que tutela a associação de fiéis, já o ter desmentido. Também na passa quarta-feira, a Confederação Nacional dos Institutos Religiosos de Portugal o sublinhou ao PÚBLICO. “No nosso coração somos freiras, consagramo-nos a Jesus para sempre”, disse a irmã.
O padre Manuel Soares Magalhães, há mais de 50 anos pároco de Requião, garantiu quinta-feira ao PÚBLICO que a associação onde terão ocorrido os crimes é uma “invenção” tolerada há décadas pela Igreja Católica. O sacerdote de 82 anos já era pároco de Requião quando as visões de uma vidente jugoslava sobre a cruz do amor que salvaria do fim do mundo quem a instalasse no jardim de sua casa inspiraram a construção daquele “convento”. “Inventaram aquilo tudo. Inventaram o hábito azul das freiras que não freiras. Andam fardadas. São leigas que se estabeleceram aqui. É uma invenção. O arcebispo está a par e não gosta”, disse. com Lusa