Um passo “inédito” a “esticar a corda”, que Costa pode resolver facilmente
Alfredo Barroso considera que Cavaco Silva está a tentar “forçar um conflito”. Mas há quem entenda a comunicação do Presidente como legítima, embora reconhecendo que este “está a esticar a corda”.
Sendo um “gesto sem precedentes” de Cavaco Silva, a apresentação de seis condições a António Costa não deixa de ser um acto legítimo. O PÚBLICO contactou ex-chefes da Casa Civil da Presidência e politólogos para avaliar se a conduta de Cavaco Silva poderia gerar um conflito institucional entre órgãos de soberania.
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Sendo um “gesto sem precedentes” de Cavaco Silva, a apresentação de seis condições a António Costa não deixa de ser um acto legítimo. O PÚBLICO contactou ex-chefes da Casa Civil da Presidência e politólogos para avaliar se a conduta de Cavaco Silva poderia gerar um conflito institucional entre órgãos de soberania.
A maioria descarta essa possibilidade, embora reconhecendo que o chefe de Estado agiu “no limite”. Entre as exigências colocou questões subjectivas e não prestou atenção a algumas “convenções” como a de tratar o assunto de forma privada.
Marina Costa Lobo e António Costa Pinto, politólogos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e José Lopes Cordeiro, historiador e professor da Universidade do Minho, são unânimes em considerar que faz sentido que o Presidente da República peça esclarecimentos, porque os textos dos vários acordos “não são suficientemente abrangentes”.
Marina Costa Lobo lembra que nos acordos não havia sequer garantias de que PCP e Bloco aprovariam o orçamento de 2016. António Costa Pinto lembra que um sistema semipresidencialista como o português permite que o Presidente imponha “condicionalismos”, ainda mais quando um chefe de Estado eleito pelo centro-direita se vê perante um acordo “inédito” entre PS, PCP e Bloco.
Da mesma forma um antigo assessor presidencial de um antecessor de Cavaco Silva, contactado pelo PÚBLICO, considera que Cavaco Silva não extrapolou as suas competências ao fazer as seis exigências. “O Presidente não é sequer obrigado a nomear o Governo”, argumenta o especialista. Mas reconhece que o “acto formal” assumido esta segunda-feira é “um gesto sem precedentes” e está “no limite”, indiciando que o Presidente “está a esticar a corda”. Ou seja, Cavaco Silva podia ter feito as mesmas exigências sem as tornar públicas, dando assim outra margem de manobra ao líder do PS. “Existem convenções, uma coisa destas trata-se em privado”, resume.
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No entanto, este ex-assessor frisa que António Costa pode resolver a questão de forma célere. “O secretário-geral do PS pega no Programa de Governo, abre aspas, fecha aspas, e responde às exigências, sublinhando diplomaticamente que se está perante um procedimento inédito da parte do Presidente”, resume.
Já André Freire, que escreveu em co-autoria com António Costa Pinto o livro Os Poderes do Presidente, começa por sublinhar que a iniciativa de Cavaco Silva é “inédita”. Mais do que isso, para este perito, o chefe de Estado está a “extravasar as suas competências”, nomeadamente em relação à exigência de uma “solução governativa 'estável, duradoura e credível'”. O politólogo explica que “em nenhuma democracia ocidental é garantido que os Governos cumprem a legislatura, não é uma condição sine qua non de democraticidade”.
O ponto de André Freire está na “dualidade de critérios” que Cavaco Silva assume. “O Presidente não está a ser equilibrado no seu julgamento. Quando indigitou Passos Coelho, exigiu alguma coisa em termos de aprovação de Orçamento?”, questiona.
Curiosamente, o referido ex-assessor presidencial alinha na mesma crítica ao fazer notar a “condição adicional” que Cavaco Silva inscreve na comunicação desta segunda-feira. “Como é que se avalia que uma solução governativa é 'credível'?”
Por seu turno, Alfredo Barroso, que foi Chefe da Casa Civil na Presidência de Mário Soares, é taxativo. “Cavaco Silva está a forçar um conflito. Se os partidos não estiverem de acordo com as exigências, é evidente que o Presidente abriu um conflito”, assegura.
Barroso recorda os seus anos na Presidência e a sua experiência como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros para fazer a avaliação de Cavaco Silva. “Estou genuinamente convencido que a interpretação que este Presidente faz [das suas competências] não cabe nos seus poderes. Não me lembro de nenhum Presidente ter feito tais exigências a um primeiro-ministro”, afirma. Alfredo Barroso encara os últimos passos de Cavaco Silva como “um caminho cheio de obstáculos” para “não dar posse a António Costa”. E critica: “O actual Presidente está, neste momento, a fazer chicana política e a criar falsos problemas”.
E a verdade é que Costa Pinto, depois de admitir a legitimidade do Presidente para exigir condições, considera que estas têm limites. “Não vamos pedir num acordo de incidência parlamentar, como o que PS, PCP, BE E PEV assinaram, algo mais exigente do que um programa de Governo.” Por isso, o politólogo faz a distinção entre os dois cenários que Cavaco Silva poderá ter exigido a Costa: que o líder do PS possa apresentar-lhe garantias de que as questões levantadas serão assumidas pelo seu Governo; ou então que haja uma espécie de adenda aos acordos em que estes temas fiquem definidos.
A segunda hipótese é manifestamente quase impossível, admite Costa Pinto; a declaração de confiança será mais fácil. Até porque, considera o politólogo, nesta lista de seis temas há claramente alguns que são da inteira responsabilidade do Governo como a questão do cumprimento dos tratados internacionais e compromissos em termos de Defesa.
Outros, como a aprovação de orçamentos e as moções de confiança, são muito concretos e são tratados ao nível parlamentar – por isso podem (e devem) estar num acordo de incidência parlamentar como os que o PS assinou com os partidos à sua esquerda três horas antes de derrubar o Governo na Assembleia da República. Na passada semana, no Palácio de Belém, PCP, BE e PEV admitiram que votarão a favor de um orçamento socialista.
Também o historiador José Lopes Cordeiro segue a linha de que os acordos foram uma “solução de compromisso” e “não têm que definir tudo ao pormenor” – devem ser “vagos” e concentrar-se nas “questões e princípios essenciais”. O professor da Universidade do Minho admite que são uma “solução arriscada”, com pouca solidez, que coloca em risco o Governo se houver um “desentendimento mais forte”. “É uma solução arriscada e o PS tem consciência disso. O facto de PCP, Bloco e PEV não quererem participar no Governo é sinal disso e debilita a solução”.
Ainda assim, Costa poderia utilizar as exigências presidenciais a seu favor. Marina Costa Lobo explica que o Presidente da República poderá estar a “dar uma ajuda” ao líder do PS para forçar PCP, Bloco e PEV a “comprometerem-se”, por exemplo, com as exigências europeias em relação ao défice. A politóloga do Instituto de Ciências Sociais realça que os acordos têm uma série de medidas redistributivas importantes, “mas há ali falhas para a governação do dia-a-dia”. Um pedido destas antes da indigitação “ajuda António Costa a comprometer Bloco e PCP não só com medidas redistributivas fáceis, que repõem salários e pensões, mas também com o outro lado da moeda: um Orçamento do Estado que cumpre as exigências europeias”.
“A haver realinhamento partidário, é bom que o acordo seja sólido”, vinca Marina Costa Lobo, para quem as exigências de Cavaco “comprometem os aliados parlamentares para uma estabilidade que seja realmente duradoura”.