Que poder? Legislar contra quem?
Os projectos de lei apresentados para revogar a Lei de Apoio à Maternidade não serão antes a expressão de uma prepotência ideológica?
1 – A "Iniciativa Legislativa de Cidadãos" (ILC) é o único meio Constitucional que permite ao Povo apresentar uma Lei no Parlamento. Esta figura da Democracia participativa que visa a aproximação do Povo ao Poder, existe em vários Países desde há mais tempo do que em Portugal. Por cá, a Lei de regulamentação é de 2003 e na sua vigência apenas foram apresentadas 4 ILC. Dessas, 3 foram levadas (em parte) à forma de lei e como tal entraram em vigor.
Assim aconteceu com a "Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade – Pelo Direito a Nascer”. Teve no Parlamento o apoio da maioria que a aprovou e a promulgação do Presidente da República. E assim, ganhou estatuto de Lei (136/2015).
2 – Todo o processo parlamentar de aprovação da lei e a recente publicação em 7 de Setembro conferiram à Democracia participativa dignidade. E a Maternidade e Paternidade em Portugal foram reconhecidas como realidades a que o Estado e a Sociedade têm de dar o valor e apoio que intrinsecamente lhes é devido.
Trata-se de uma lei que, respondendo a um sentir de cidadania, clama por maior valor, respeito e apoio à Maternidade e Paternidade, olha com preocupação a actual crise de Natalidade e repõe a dignidade dos médicos e enfermeiros que se declaram objectores de consciência à I.V.G.
3 – A ninguém é imposto qualquer comportamento relativamente à decisão da maternidade ou paternidade. Ao invés, é estabelecido um novo processo na informação, acompanhamento e apoio a quem tem pela frente a dificuldade de uma decisão de I.V.G.
Nem se lance sobre os médicos e enfermeiros a suspeita de que irão condicionar as suas pacientes. Tal suspeita é profundamente vexatória para classes profissionais que nos merecem todo o respeito e consideração.
4 – Porém, instalada a nova legislatura da Assembleia da República logo o Poder decidiu que quer revogar a “Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade – Pelo Direito a Nascer”. O Poder, agora instalado, decidiu que quer revogar a vontade do Povo.
5 – A tão proclamada tolerância, para com a ILC, não funciona. A tão proclamada tolerância, não se aplica a quem precisa efectivamente de apoio. A ideologia não é tolerante, a ideologia precisa de se impor às massas. A ideologia impõe-se pelo Poder.
Quando em 1976 o Poder fez constar na Constituição Portuguesa que "A República Portuguesa é um Estado..., que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo..." (art. 2.º da CRP - 1976) foi a ideologia que se impôs. Mas que durou apenas 6 anos. Hoje a lei constitucional esqueceu o socialismo. Diz o art. 1.º - "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária".
6 - Por isso, restam as questões:
De que vale o Povo levar ao Parlamento uma ILC se o Poder não o respeita? Até quando? Será a ILC uma ilusão ou uma farsa constitucional? O Poder pode, e o Povo obedece e cala? O Poder pode revogar a vontade do Povo legal e constitucinalmente expressa? O Poder quer revogar o apoio à Maternidade e Paternidade? O Poder quer revogar os apoios à Natalidade?
7 - É com profunda dor e tristeza que se vê a ideologia usar o Poder para esmagar as manifestações da Sociedade Civil que ousam tocar na Política. Que se vê, esmagar a luz de esperança que poderia abrir-se para uma Maternidade mais apoiada, mais querida e mais livre de constrangimentos. Os mais carenciados são cada vez mais deixados à sua sorte.
Os projectos de lei apresentados para revogar a Lei de Apoio à Maternidade não serão antes a expressão de uma prepotência ideológica? É possível continuar a Política com este exercício de Poder? O Poder tem limites?
Advogada, presidente da Federação Portuguesa pela Vida