A "quietude" por uma vitória anunciada
A aprovação do projecto de lei sobre a adopção por casais gay não desassossegou o Parlamento: não houve tensões nas galerias, palavras de ordem ou sequer nervosismo - a vitória “estava garantida”. No final ouviram-se palmas, até nas galerias, onde estavam proibidas.
Pela quinta vez votava-se na Assembleia da República a adopção por casais do mesmo sexo. Um dos temas fracturantes da sociedade portuguesa prometia debate e discursos inflamados, e oposição insistente entre grupos liberais e conservadores. Mas a manhã de sexta-feira contrariava qualquer desejo de confronto, com uma bruma que escondia S. Bento e parecia obrigar a falar em surdina.
As galerias foram sendo preenchidas esparsamente. Sempre que alguém chegava dava abraços fortes a todos os presentes, muitos deles activistas da Associação ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero. Também não seria a partir das bancadas superiores do Parlamento que viria contestação.
A reunião plenária iniciou-se às 10h, mas só às 11h07 é que o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, lançava o debate sobre a adopção gay, aumentando a sensação de anticlímax. “De quietude”, corrigiria um dos ocupantes das galerias do Parlamento, “e paz de espírito”. Hoje não têm pressa.
Os deputados de esquerda foram os primeiros a subir à tribuna. Enquanto se ouvia falar de “oportunidades de se fazer história” e “derrotas do preconceito e hipocrisia”, as pessoas sussurravam e falavam de “onde iam estar logo à noite”, para festejar. Manuel Paulo Almeida sabe que “a vitória está garantida, há uma maioria parlamentar favorável”. Durante a votação, ele e muitos outros das galerias vão levantar-se para ver os deputados de direita que apoiam a adopção por casais gay, “surpreendidos pela quantidade de deputados do PSD que votaram a favor”.
Das bancadas de direita argumenta-se com o “superior interesse das crianças”. Os activistas das galerias sorriem: “Rimo-nos porque esse é o nosso argumento. Todos nós estamos preocupados, sobretudo com as crianças”, diz Manuel Paulo Almeida.
O deputado do CDS Filipe Anacoreta Correia tem o discurso mais conservador da manhã. Há aplausos tímidos da sua bancada, quase nenhuns do PSD. “Nem eles querem ganhar isto”, comenta uma mulher próxima de Isabel Fiadeiro Advirta, líder da ILGA. A dirigente confessa que já perdeu a conta às vezes que veio à AR e confirma que os debates têm evoluído muito - “já houve argumentos absolutamente chocantes, agora é diferente”.
No final da votação há aplausos de pé no topo da Assembleia. Até Ferro Rodrigues é benevolente e apenas aponta que as galerias não se podem “manifestar”. No final do plenário, deputados do BE e do PS subiram ao terceiro andar do Parlamento para abraçarem os activistas gay. Isabel Moreira (PS), visivelmente emocionada, diria que esta foi uma “luta de uma beleza” da qual não se vai esquecer e cita o "camarada" Pedro Delgado Alves quando diz que "houve gente que esperou pacientemente de mais por este dia". Maria Onélia, 68 anos, disse que era “um dos dias mais felizes” da vida, até porque era “finalmente avó” segundo a lei, ela que tem “um neto, uma nora e uma filha, de esperanças”.