Para salvar Schengen, UE reforça controlos nas fronteiras externas
Ministros do Interior e da Justiça aprovam verificação mais apertada da identidade dos cidadãos europeus que entram e saem do espaço Schengen. Em Bruxelas admitiu-se também necessidade de melhorar cooperação policial.
Os ministros do Interior e da Justiça europeus chegaram nesta sexta-feira a acordo para blindar, desta vez sem demoras, a segurança das fronteiras externas da União Europeia. Os cidadãos comunitários vão passar a ser sujeitos aos mesmos controlos reforçados de identidade que, até agora, eram obrigatórios apenas para os oriundos de países terceiros. Os Vinte e Oito querem também que “até ao final do ano” seja aprovado o registo europeu de passageiros aéreos, que há anos é discutido em Bruxelas.
“Não podemos esperar por outra tragédia. Temos de demonstrar que a união das democracias é mais forte do que o terrorismo”, disseo ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, que chegou à reunião extraordinária do Conselho de Ministros da UE, em Bruxelas, dizendo que a Europa “perdeu demasiado tempo”. Tempo gasto a discutir medidas que já deveriam estar a ser aplicadas, tempo que passou sem que tenham sido cumpridas as promessas de cooperação feitas após os atentados de Janeiro em Paris.
Agora, que a UE se confronta com uma crise de refugiados sem precedentes e que jihadistas com passaportes europeus voltaram a furar a vigilância europeia, o sentimento de urgência parece finalmente ter-se instalado e, um após outro, os líderes europeus dizem que só reforçando as fronteiras externas será possível garantir a livre circulação entre os países do espaço Schengen.
“A voz da França foi ouvida”, assegurou o Comissário Europeu para os Assuntos Internos, Dimitris Avramopoulos, saudando a unanimidade com que os Vinte e Oito acolheram as propostas para o reforço da segurança e da cooperação policial.
Com "efeito imediato", as polícias fronteiriças vão passar a controlar de forma mais rigorosa a identidade de todos os que entram ou saem do espaço Schengen, uma medida que se aplicará “aos indivíduos que gozam de liberdade de circulação”. Em causa não está apenas a verificação visual dos passaportes – já efectuada – mas o cruzamento dos dados dos documentos “com as bases de dados nacionais e europeias”, tais como os ficheiros da Europol e o Sistema de Informação de Schengen (SIS), que reúne informações sobre pessoas procuradas, sob vigilância policial ou impedidas de entrar em território europeu. Uma medida que, se estivesse já em vigor, poderia ter travado Abdelhamid Abaaoud, o belga que terá sido o mentor dos ataques em Paris e de um punhado de outras conspirações terroristas em solo europeu, que conseguiu regressar da Síria sem ser detectado.
Mas para tornar este controlo “verdadeiramente sistemático e obrigatório” para todos os cidadãos europeus, é necessário mexer no Acordo de Schengen. Respondendo ao repto dos ministros, a Comissão Europeia anunciou que vai apresentar “até ao final do ano” uma proposta de revisão que incidirá sobre o artigo 7.2, aquele que que limitava estas verificações aos cidadãos extracomunitários.
A iniciativa terá de ser aprovada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, o que segundo uma fonte ouvida pelo Le Monde pode demorar meses. Será depois preciso equipar todas as fronteiras com os meios tecnológicos necessários ao cruzamento de dados, o que é sobretudo difícil no caso das fronteiras terrestres. “Não é uma coisa evidente”, disse ao jornal francês um diplomata europeu, lembrando que só na Grécia “há milhares de postos-fronteiriços que precisam de ser equipados”.
Registo de passageiros é urgente
Os ministros do Interior e da Justiça chegaram a acordo, desta vez por unanimidade, para a aprovação “até ao final de 2015” do já famoso – mas até agora nunca concretizado – registo europeu de passageiros (conhecido pela sigla inglesa PNR, Plane Name Record). Trata-se de um vasto ficheiro, semelhante ao que foi criado pelos Estados Unidos após o 11 de Setembro, que visa recolher os dados dos passageiros de todos os voos de e para a UE. As companhias aéreas guardam já boa parte destas informações e alguns países europeus criaram listas próprias, mas a criação de um ficheiro único europeu, actualizado em tempo real, levanta questões de privacidade que arrastam há anos a discussão no Parlamento Europeu.
Acolhendo as propostas de França, um dos países que mais tem lutado pela criação do PNR, o Conselho de Ministros da UE defende que o registo deve incluir os dados dos “voos internos” e permitir que os registos sejam guardados “por um tempo suficientemente longo” – Paris tinha proposto um ano, a versão discutida em Estrasburgo previa apenas um mês.
Os ministros decidiram também reforçar o mandato da Frontex, a agência europeia de fronteiras, e reforçar a legislação europeia de combate ao tráfico de armas de fogo – a directiva europeia vigente tem já 25 anos.
Mas em Bruxelas ficou também dito que nenhuma destas medidas servirá para travar novos atentados se a cooperação entre forças de segurança e serviços de informação não for melhorada – Paris apontou já baterias à Bélgica, onde terão sido organizados os últimos atentados. “Os países europeus devem trabalhar mais em equipa, ser menos egoístas com as informações de que dispõem”, disse o ministro do Interior italiano, Angelino Alfano.
Fontes diplomáticas ouvidas pelo jornal espanhol El País afirmam que até agora a cooperação entre as secretas europeias “funciona estritamente com base na reciprocidade”. O Le Monde adiantou, por seu lado, que há Estados-membros que não actualizam regulamente os dados no SIS e que “há cinco ou seis países” que nunca usam esta base de dados.
No início da reunião, Avramopoulos chegou a sugerir a criação de uma “Agência Europeia de Informação”, um embrião de um serviço informações comum, mas a ideia foi rapidamente afastada pelo ministro alemão. “Não deveríamos gastar energias” com esta discussão”, afirmou Thomas de Mazière, dizendo que muito dificilmente os Estados “poderiam renunciar à sua soberania nacional” numa matéria tão sensível.