O Verão pode já ter acabado, mas isso não significa que se tenha extinguido a necessidade (ou a inevitabilidade) de comungar musicalmente com uma massa de desconhecidos. E, embora o horário seja de Inverno, o outonal Vodafone Mexefest regressa a Lisboa para dois dias de descoberta mas sobretudo de reencontro.
No ano passado, por esta altura, dizíamos que era difícil ser purista no novo milénio e a, julgar pelo cartaz de 2015, a tendência mantem-se. Ainda assim, e no sentido mais lato possível, há essencialmente duas tonalidades na edição deste ano: contemplação (Patrick Watson, Villagers) e trópicos (Mahmundi, Karol Conka). Em português, a festa está bem entregue a embaixadores como Márcia ou Tó Trips, além dos brasileiros Castello Branco e Do Amor.
Também há rock, claro, com Bully, The Parrots e Titus Andronicus — todos eles com álbuns editados já em 2015. Para surpresas na categoria “onde é que estes tipos andaram até agora?” contamos com LA Priest e Seven Davis Jr (directamente para a gloriosa genealogia de artistas com trocadilhos como Com Truise, Elvis Depressedly e Chet Faker).
Cabeças de cartaz
Estreou-se em Portugal em Julho passado, no SBSR, regressa a 25 de Novembro na Casa da Música, Porto, e depois estará no Vodafone Mexefest. Benjamin Clementine é, pura e simplesmente, um daqueles artistas de quem se fala. E fala-se tanto da música, sempre à flor da pele, como da biografia do inglês de 26 anos. Há uma certa aura de Jean Michel Basquiat a perseguir Benjamin. O passado conturbado, uma vida de dificuldades, a ausência de treino formal, o romantismo do artista na penúria que sai do poço graças à brutalidade do seu talento — também ajudou ter como fãs gente como Jools Holland, Cat Power, Woodkid e David Byrne.
“At Least For Now”, o disco de estreia desta estrela improvável, o inadaptado descalço, é uma confissão dramática na primeira pessoa a fazer lembrar Scott Walker ou Nina Simone, ainda que com o seu quê de Antony Hegarty (ouça-se "The People And I") pelo modo como exige silêncio e solenidade. Mal se senta ao piano, o vozeirão de Benjamin encarrega-se de dissipar as comparações.
Ducktails, ou Matt Mondanile, conhece bem Portugal. Já cá esteve várias vezes (Porto, Lisboa, Guimarães, Coimbra), por vezes só, outras acompanhado. Embora seja talvez mais reconhecido como guitarrista dos Real Estate, onde tocam os igualmente talentosos Alex Bleeker e Martin Courtney, foi como Ducktails que primeiro deu nas vistas, em 2009. O álbum homónimo, com o selo da Not Not Fun, era uma obra-prima sem vozes, "loops" em cascata a remeter para o micro-clima de New Jersey, de onde Matt é natural. Do "lo-fi" sonolento de “Ducktails”, do quarto para a cassete, o músico evoluiu para uma carreira a solo mais colada ao som dos Real Estate. “Arcade Dynamics”, de 2011, banda sonora ideal para qualquer luau, foi o álbum de transição, mas em “The Flower Lane”, 2013, já na Domino Records, a mudança estava consumada (e muita gente não gostou).
Editado já este ano, “St. Catherine” é o disco que cristaliza para a posteridade o que se pode chamar de som de Ridgewood: voz delico-doce, guitarras soft rock, canções entre Neil Young e os 10cc — enfim, uma “dad vibe” absoluta. Matt tem também, além de uma excelente conta no Instagram, a sua própria label, a New Images, e vale a pena espreitar o catálogo (Madalyn Merkey e Egyptian Sports Network, por exemplo).
Os jokers
Num ilustre segundo pote, a dispensar grandes apresentações, temos Ariel Pink e Peaches. O primeiro, que passou pelo NOS Primavera Sound do Porto em Junho, voltará a apresentar “Pom Pom”, de 2014, um disco que faz referências a atletismo sexual e à aplicação Find My iPhone. Salvo alguma sobreposição de horário, Ariel Pink, “pouco menos do que uma lenda”, é sempre imperdível.
Já passou muito tempo desde “The Teaches of Peaches”, 2002, quando o electro-clash é que era, mas Peaches não perdeu a mão para a sua receita ganhadora: agressividade, provocação e sexo. “Rub”, o primeiro álbum em seis anos, que abre com a ajuda de Kim Gordon e fecha com a amiga de longa data Feist, é o regresso à melhor forma da artista canadiana. “Tell on my pussy / Whistle blow my clit / Watch it open up / ‘Cuz it can't keep a secret” sussurra a rainha de todos os “fatherfuckers” na faixa homónima.
Os jokers do Vodafone Mexefest, artistas relativamente recentes que podem muito bem estar num palco principal para o ano, são LA Priest e Seven Davis Jr que trazem, respectivamente, os fresquíssimos e debutantes, “Inji” e “Universes”. Seven Davis Jr é só demasiado cool, óculos de lente única na foto promocional, piscar de olho a Prince e boa onda geral — afinal, quando se tem uma canção chamada “Good Vibes” é preciso estar à altura. O texano consegue estar com dez canções de estreia que tanto podem agradar a fãs de Dâm-Funk como de C4 Pedro. Mais rodado, mas não menos sedutor, é LA Priest, ou seja, Samuel Eastgate, ou seja, o ex-líder dos Late of the Pier, que estreia o seu novo projecto pela Domino com enorme eficácia. Deslocado recentemente para o País de Gales, Samuel dedica-se agora a poemas sintético-psicadélicos, sendo “Good Sign” um dos melhores exemplos deste feliz regresso às edições.
Como se vê pela amostra, o festival que aí vem tem muito para oferecer, independentemente da motivação e preferências de cada um. Os bilhetes, apenas para os dois dias, estão à venda nos locais habituais por 45€ (aumentam para 50€ no próprio dia). Para mais informações, relativamente a horários e lotação de cada sala, aconselha-se a aplicação oficial do festival.