Um triângulo musical atlântico no festival Terras sem Sombra
Um recital da violinista Lina Tur Bonet e do cravista Kenneth Weiss serviu de aperitivo ao festival, que irá decorrer de Fevereiro a Julho no Baixo Alentejo
O Festival de Música Sacra do Baixo Alentejo – Terras sem Sombra (FTSS), cuja 12ª edição tem como título Torna-Viagem: o Brasil, a África e a Europa (Da Idade Média ao Século XX), irá iniciar-se apenas a 27 de Fevereiro, prolongando-se depois até 2 de Julho, mas a divulgação do programa na passada quarta-feira incluiu já um concerto de “Anteprima” que, pela sua qualidade, é um bom prenúncio das propostas anunciadas para 2016. Mais do que um simples momento musical ilustrativo, a Sala Luís de Freitas Branco do CCB acolheu um verdadeiro recital sob a sugestiva designação La Petite Merveille e il Prete Rosso: Versalhes e Veneza no Tempo do Barroco.
Sonatas para violino e baixo contínuo da compositora Elisabeth Jacquet de la Guerre, protegida de Luís XIV, e de Antonio Vivaldi foram interpretadas por Lina Tur Bonet, jovem violinista espanhola em crescente afirmação no panorama internacional, e Kenneth Weiss, reputado cravista e maestro americano com créditos firmados nos repertórios dos séculos XVII e XVIII, com um apurado sentido de estilo e grande rigor técnico. Lina Tur Bonet, fundadora do grupo Musica Alchemica, que também irá esta sexta-feira, dia 20, na Gulbenkian, às 19h00, no âmbito da Mostra Espanha 2015, destacou-se quer pela eloquência com que caracterizou os diferentes ambientes musicais, quer pela sonoridade luminosa e pela destreza virtuosística nos andamentos rápidos das Sonatas RV 11 e RV 7, de Vivaldi, registadas pela primeira vez em disco pela própria violinista na etiqueta Pan Classics.
Esta é a segunda edição programada por Juan Ángel Vela del Campo, ensaísta e crítico musical que substituiu Paolo Pinamonti na direcção artística do FTSS, organizado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. A divulgação do património arquitectónico religioso do Baixo Alentejo, em coordenação com concertos que recorrem frequentemente a programas temáticos e a obras pouco conhecidas, e as acções paralelas no campo da biodiversidade, onde os intérpretes e o público são também envolvidos, mantêm-se como pilares estratégicos do festival.
“Nesta edição procurámos fazer o triângulo atlântico — África, Brasil e Europa — por onde circularam e continuam a circular múltiplas tradições musicais”, disse ao Público José António Falcão, director-geral do festival. “Entre os oito concertos, o Brasil estará em destaque em três, com música de diferentes épocas, incluindo a criação contemporânea, ainda pouco conhecida entre nós”, acrescentou. Caberá ao Quarteto Quaternalia (dia 7 de Maio, em Odemira) fazer essa incursão nos séculos XX e XXI através de obras de Villa-Lobos, Almeida Prado, Ronaldo Miranda, Paulo Bellinati e Chriystian Dozza, jovem compositor a quem o FTSS encomendou uma nova peça.
Haverá também lugar para a música do período colonial e imperial pelo agrupamento Le Baroque Nomade de Jean-Christophe Frisch, com obras de Sigismondo Neukomm, José Maurício Nunes Garcia e Luís Álvares Pinto (em Ourique, a 16 de Abril) e para a ópera em versão de concerto Onheama, de João Guilherme Ripper, compositor nascido no Rio de Janeiro em 1959. Baseada no poema A Infância de um Guerreiro, de Max Casphentier, será interpretada pela Orquestra Sinfónica Portuguesa e pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos no dia 21 de Maio em Serpa, cidade que recebe pela primeira vez o FTSS.
Apesar de ser identificado como um festival de música sacra, o programa do FTSS tem um âmbito bastante mais alargado, podendo falar-se do tema da “espiritualidade em sentido lato”, conforme referiu Juan Vela del Campo. O director artístico destacou os intercâmbios ibéricos, afirmando ter procurado que “os intérpretes portugueses fizessem música espanhola e vice-versa.” É o que vai suceder no concerto de abertura (27 de Fevereiro, em Almodôvar), no qual o Divino Sospiro irá apresentar As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz, de Francisco García Fajer (conhecido como “el Españoleto”), em conjunto com árias das oratórias de Pedro António Avondano e Concertos de Avison.
Por seu turno, La Grande Chapelle, dirigida pelo maestro e musicólogo Albert Recasens, apresentará em Beja o programa Portugueses na Espanha do Siglo de Oro, com obras de Manuel Machado, Manuel Correa, Juan Hidalgo e Filipe da Madre de Deus. Espanha estará ainda representada pela “ópera sem vozes” Sempre/Ainda, de Alfredo Aracil, concebida para piano e realização multimédia a partir de textos e imagens de Alberto Corazón extraídos dos cadernos de uma viagem a Damasco, anterior à tragédia que assola a Síria.
África estará representada pelo concerto Polirritmias: Ligeti Africano, com texto e imagens de Polo Vallejo, no qual as complexidades rítmicas da música africana em instrumentos tradicionais irão alternar com Estudos para piano de Ligeti, tocados por Alberto Rosado (4 de Junho, em Castro Verde), e o programa inclui ainda a Petite Messe Solenelle de Rossini, que será apresentada a 2 de Abril, em Santiago de Cacém, pela Accademia Rossiniana de Pesaro e pelo Coro del Molino, sob a direcção de Alberto Zedda, maestro com uma carreira intimamente ligada à música do famoso compositor italiano.