Portugal vai continuar a caçar raios cósmicos

Acordo internacional prolonga por mais dez anos o funcionamento do Observatório Pierre Auger (na Argentina), no qual também participam cientistas portugueses.

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Representação artística de um núcleo galáctico activo, que é um buraco negro supermaciço no centro das galáxias NASA
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Um dos tanques de água que detecta raios cósmicos na Argentina DR

Ao lado de vários países, Portugal acaba de assinar um acordo internacional que garante a continuação das operações, nos próximos dez anos, do Observatório Pierre Auger, na Argentina, onde se caçam os raios cósmicos muito energéticos do Universo.

Portugal tornou-se membro deste observatório em Março de 2006 (pagou então 68 mil euros para aderir ao projecto, além de uma contribuição anual por cada investigador doutorado que lá trabalhasse). Esta segunda-feira, o acordo para manter em funcionamento o maior detector de raios cósmicos do mundo foi renovado, tanto por Portugal como por representantes de outros países envolvidos no projecto. Do lado português, o acordo foi assinado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência) e pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), segundo um comunicado desta última instituição.

“Os valores envolvidos no acordo representam para Portugal uma contribuição de 75.000 euros por ano em dinheiro para a manutenção e operação do observatório”, informa ainda o LIP. “Mas se enquadrarmos a contribuição em espécie – preparação de detectores, mão-de-obra, produção de componentes em Portugal, etc. –, esta contribuição adicional ascenderá a aproximadamente 200.000 euros nos próximos três a quatro anos.”

Mais de 500 cientistas de 16 países trabalham juntos no Observatório Pierre Auger, que começou a ser construído em 1999, custando cerca de 35 milhões de euros. Quando Portugal se tornou membro em 2006, o projecto estava quase construído.

Mas, afinal, por que andamos à caça dos raios cósmicos? Antes de mais, estas partículas invisíveis que bombardeiam a atmosfera da Terra foram descobertas em 1912, pelo físico austro-americano Victor Hess, durante experiências com balões – descoberta que lhe valeu o Prémio Nobel da Física de 1936. Pouco depois da atribuição dessa distinção, em 1938, outro físico, o francês Pierre Auger, observou pela primeira vez os efeitos da chegada ao nosso planeta desses raios que atravessam o Universo quase à velocidade da luz: quando chocam com as moléculas na estratosfera, a cerca de 20 quilómetros de altitude, originam uma chuva de partículas secundárias, que depois atingem a superfície da Terra e cobrem dezenas de quilómetros quadrados. Somos permanentemente atravessados por essa chuvada de partículas.

Mas os raios cósmicos não são todos iguais. Aqueles que têm baixas energias são abundantes, vêm de todas as direcções, principalmente de estrelas no interior da nossa galáxia, a Via Láctea. Há ainda aqueles raios cósmicos extremamente raros – os mais energéticos. São tão raros que, durante um século, apenas uma dessas partículas por quilómetro quadrado atinge a atmosfera. Para apanhar uma quantidade significativa de raios cósmicos energéticos, e assim descobrir de onde vinham e as suas propriedades, os físicos Alan Watson (da Universidade de Leeds, no Reino Unido) e James Cronin (da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos) tiveram a ideia, em 1992, de construir uma armadilha gigante.

O Observatório Pierre Auger é essa armadilha. Situado na província argentina de Mendoza, em plena Pampa Amarilla, uma planície a 1400 metros de altitude, com vista para os Andes, distribui-se por 3000 quilómetros quadrados. Para caçar os raios cósmicos, são utilizados cerca de 1600 tanques de água – cada um com 12.000 litros de água, distanciados 1,5 quilómetros entre si – e mais de 20 telescópios sensíveis à radiação ultravioleta, agrupados em quatro locais desta enorme armadilha.

Os tanques não detectam directamente os raios cósmicos, mas a tal chuva de partículas secundárias geradas pelos raios cósmicos quando entram em contacto com a atmosfera: quando essas outras partículas interagem com a água, é emitida uma luz, que é convertida em electricidade por uma série de detectores. Quanto aos telescópios, eles detectam a luz ultravioleta emitida pelas moléculas de azoto na atmosfera quando as partículas secundárias interagem com elas.

Em 2007, um batalhão de cientistas, incluindo 11 portugueses, anunciou qual era a origem provável dos raios cósmicos mais raros, baseando-se na detecção que tinham conseguido fazer de 27 raios cósmicos ultra-energéticos: eram os “núcleos galácticos activos”, como se chamam os buracos negros supermaciços no centro das galáxias.

Agora, na sequência do acordo internacional, o Observatório Pierre Auger vai ser melhorado, numa nova fase designada por AugierPrime, explica o comunicado do LIP. A cada detector, que consistia no tanque de 12.000 litros de água, vai agora ser adicionado um cintilador de quatro metros quadrados – “que melhorará significativamente a capacidade de distinguir diferentes tipos de partículas nos chuveiros que chegam ao solo e, assim, compreender as propriedades das partículas primárias de alta energia que lhe deram origem”, lê-se.

“O AugierPrime terá detectores melhorados em todos os 3000 quilómetros quadrados de área do observatório e uma electrónica de aquisição de dados mais rápida, o que aumentará significativamente a capacidade de distinguir diferentes tipos de partículas nos chuveiros”, acrescenta-se. “A equipa portuguesa tem dado importantes contributos para a recolha, análise e interpretação dos dados; e participou activamente no esforço de investigação e desenvolvimento com vista à melhoria do detector para a nova fase, o AugerPrime, que agora se inicia.”

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