Charlie Hebdo ergue uma taça de champanhe contra o terrorismo
A capa da edição do jornal satírico que sairá esta quarta-feira mostra um parisense crivado de balas a beber champanhe e a dançar. É preciso relançar o debate em torno do Islão, diz o editorialista do Charlie Hebdo, cuja redacção foi massacrada em Janeiro.
Um parisiense manifestamente alegre dança e bebe champanhe, indiferente aos vários buracos de balas que tem no tronco e nas pernas, e dos quais saem jorros de champanhe em vez de sangue. Resposta da publicação satírica Charlie Hebdo ao múltiplo atentado terrorista de dia 13 em Paris, é esta imagem de capa da edição do jornal que chegará às bancas esta quarta-feira, e na qual se lerá ainda a legenda: “Ils ont les armes. On les emmerde. On a le champagne!” (em tradução livre, “Eles têm as armas. Que se f…m, nós temos o champanhe”).
A capa, da autoria da desenhadora Coco, foi divulgada ainda antes da saída deste número pela edição on line da revista masculina QG. Depois do massacre da redacção do Charlie Hebdo no dia 7 de Janeiro, no qual morreram 12 pessoas, incluindo boa parte da equipa de desenhadores e redactores do jornal, a reacção da publicação perante os atentados desta sexta-feira era aguardada com curiosidade. Mas para já, além da capa, conhece-se apenas o editorial, assinado pelo desenhador e autor de banda desenhada Riss (pseudónimo de Laurent Sourisseau), actual chefe de redacção do jornal.
Leia tudo sobre os atentados de Paris
“Sangue e lágrimas, profetizava Churchill, e aqui os temos”, escreve Riss, citado pelo jornal Le Point. “Sem se aperceberem disso, os parisienses de 2015 tornaram-se um pouco nos londrinos de 1940, determinados a não ceder nem ao medo nem à resignação, seja qual for o golpe que os atinja, prossegue o editorialista. Riss apela ainda ao relançamento do debate em torno do Islão, que se teria transformado “há já vinte anos”, diz, “num campo de batalha em que os radicais querem exterminar os que não acreditam e submeter os moderados pela força”.
Para Riss, o cuidado de “evitar o risco da divisão” não deve levar os franceses a “renunciar ao direito de criticar a religião com o argumento de que o seu exercício pode irritar”, já que, conlui, “entre todas as liberdades fundamentais que formam as nossas vidas, foi também essa liberdade que os assassinos quiseram liquidar na noite de sexta-feira”.
Riss está também a responder implicitamente aos muitos que, após o atentado de Janeiro, e sem procurarem justificar o crime, criticaram o Charlie Hebdo pelo seu alegado racismo e islamofobia e pelos seus continuados ataques à minoria muçulmana, que acusaram de incitar ao ódio. Ao mesmo tempo que as redes sociais se cobriam de mensagens a dizer “Je suis Charlie”, 150 escritores, incluindo nomes tão diversos como Peter Carey, Michael Ondaatje ou Joyce Carol Oates, assinavam um protesto contra a atribuição ao Charlie Hebdo, pelo PEN americano, do Prémio de Coragem pela Liberdade de Expressão (Freedom of Expression Courage Award).
Logo após o ataque à sua redacção, na qual morreram vários dos seus principais responsáveis, como Jean Cabu ou Wolinski, o jornal fez capa com uma imagem em que, sob um título um tanto imprevisto – "Tout est pardonné" ("Está tudo perdoado") –, o próprio Maomé ostentava um cartaz a dizer "Je suis Charlie".