Teseu e Ariadne

Decidir contra a maioria parlamentar é perder-se no labirinto. Cabe-nos pedir-lhe que, tal como Teseu com a espada e o fio que pediu a Ariadne, derrote o minotauro e saia do dédalo em que se embrenhou.

O Presidente está a ouvir muita gente, tanto o Conselho Económico e Social como os empresários de empresas familiares. E naturalmente as centrais patronais e sindicais. Pode até convocar os pais de famílias numerosas e as colectividades de cultura e recreio. Sem que se saiba bem porquê, irá ao Funchal passar dois dias de um explêndido verão de São Martinho, esperemos que sejam dias inspiradores. Sendo apenas dele o critério, pode vir a convocar o Conselho de Estado. Já há quem fale em mais duas semanas de indecisão. Sabendo que tempo é dinheiro, conviria que o Presidente, no final, explicasse as razões do ciclo que se receia longo em demasia.

Até lá, tudo o que não devia acontecer, acontece. A economia tornar-se-á mais instável, como se todos desejássemos a descida das notações; decisões pesadas, como a venda da TAP, são tomadas por mau conselho da pressa; o investimento esperará; a despesa pública sem controlo deslizará até onde não deve; credores acumularão dúvidas e dívidas; o teatro político ocupar-se-á em traulitada inconsequente. A guerrilha institucional lavrará, levando ao desprestígio dos orgãos, a começar pelo precário Governo e a terminar no relutante Presidente.

Tudo acompanhado de aumento da violência verbal a decibéis muito acima dos da campanha eleitoral, de que o radicalismo anti-constitucional de Passos a exigir eleições antecipadas não foi mais que uma primeira amostra. O Povo descerá à rua em manifs alternativas e cada vez mais vociferantes. Pacatos comentadores e analistas radicalizarão opiniões, como se viu já em programas de maior audiência, o vale da dissensão entre patrões e sindicatos acentuar-se-á, a divisão permeará toda a media, o poder financeiro que controla boa parte dela arregaçará mangas de pugilista contra a esquerda vária mas não desunida, os grupos financeiros externos sorrirão pelo enfraquecimento das barreiras à invasão. O País perderá o norte se não houver quem lhe deite a mão. Tudo leva a crer que será a esquerda a propugnar pela estabilidade e pelo senso comum, face a uma direita onde ansiolíticos e calmantes já não produzem efeito. Só com a dura realidade acalmará.

A paz tem que regressar aos espíritos. Quem tem o dever do primeiro gesto será naturalmente o Presidente. Sei que muitos acham isso impossível, depois do discurso de indigitação, outros ainda lhe concedem o benefício da dúvida depois do discurso da posse. O que o País dele espera é apenas que cumpra a Constituição na letra e no espírito. Por alguma razão o texto fundamental retira ao Presidente o poder de dissolução nos primeiros seis meses após eleições. Depois do dislate de Passos a desafiar Costa para uma impossível revisão constitucional, percebemos melhor o prazo de seis meses. Foi uma aula prática de direito constitucional. A alternativa de um governo em agonia prolongada lembra cuidados intensivos dispendiosos e infrutíferos a doentes em morte cerebral. Tal como na vida real, tem que haver sempre alguém que mande desligar as máquinas de sustentação artificial de vida. Aqui será o Presidente. Pode o Governo prolongar-se em vida vegetativa, com espasmos e reflexos pré-cadavéricos? Poder, pode; mas para quê?

Ao Presidente pede-se que una, não que desuna; que pense no País, não nos fantasmas que apavoram a direita; que se lembre de como quer ser lembrado, mais tarde, não que se enrosque numa teimosia absurda sob a capa da desconfiança, fragilizando a imparcialidade. Ao Presidente pede-se que conte o tempo e não que o deixe estender-se com descontos e prolongamentos, como se estivesse à espera que a equipa do seu agrado marcasse um golo salvador.

Não basta admitir que os Portugueses são pacíficos por natureza, os tais brandos costumes. Na verdade a história acaba por nos lembrar quão violentos eles foram no tempo da Inquisição, na repressão pombalina e subsequente viradeira, nas invasões francesas e nas lutas liberais, na noite negra da camioneta fantasma da primeira república, na violência escondida do regime salazarista. Mesmo os aparentemente pacíficos se transformam em violentos, se a ocasião os empurrar.

Um Presidente constitucionalmente diminuído do seu poder de dissolver a Assembleia e auto-mutilado pelo calendário eleitoral que deixou correr, não pode obliterar a peça parlamentar do regime. Para sair em paz com os Portugueses e consigo tem que nomear um novo governo com plenos poderes. E esse não pode ser outro que não um que o Parlamento aprove. Decidir contra a maioria parlamentar é perder-se no labirinto. Cabe-nos pedir-lhe que, tal como Teseu com a espada e o fio que pediu a Ariadne, derrote o minotauro e saia do dédalo em que se embrenhou.

Professor catedrático reformado

Sugerir correcção
Comentar