O Brasil não tem as cores da bandeira francesa por causa da lama de Minas Gerais

Dilma e a imprensa demoraram a chegar a um dos maiores desastres ambientais da História do Brasil. Começou há 11 dias, pode durar décadas.

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A povoação de Bento Rodrigues depois da ruptura da barragem Ricardo Moraes/Reuters

Quando o Cristo Redentor e o Palácio do Planalto se acendem à noite com as cores da bandeira francesa e Paris domina os noticiários, muitos brasileiros perguntam: e Mariana? A ruptura de duas barragens no estado de Minas Gerais há 11 dias provocou um dos maiores desastres ambientais da História do Brasil, mas quem olhasse ontem para as bancas de jornais ou assistisse ao telejornal da Globonews no domingo à noite não iria encontrar nada sobre o assunto. Uma frase tornou-se popular no Facebook brasileiro: “Minha foto do perfil não tem cores da bandeira de França devido a lama de Minas Gerais”.

Tratada inicialmente como uma tragédia de impacto meramente local, que soterrou uma comunidade rural de 600 habitantes, Bento Rodrigues, a enxurrada de lama, resíduos de minério e químicos – com um volume equivalente a 25 mil piscinas olímpicas – segue o seu percurso lento, mas imparável, no Rio Doce. A quinta maior bacia hidrográfica do Brasil já foi declarada oficialmente morta por ambientalistas e biólogos.

Poucos prestaram real atenção ao que estava a acontecer, antes da mancha de lama alastrar a centenas de quilómetros e antes dos vídeos de peixes a morrer numa sopa de lama e detritos circularem nas redes sociais. Boa parte da imprensa demorou em reagir e enviar repórteres para a região. A empresa mineira que administrava as duas barragens de Mariana, utilizadas para depositar os resíduos produzidos no tratamento e limpeza do minério de ferro, não ofereceu muitas explicações sobre as rupturas, apesar dos indícios de negligência, como a inexistência de um sistema de alerta das populações próximas das barragens, divulgadas na imprensa. Os políticos locais e regionais relativizaram inicialmente o sucedido, escudando-se de apontar responsabilidades à empresa mineira Samarco, que chegou a ser classificada como uma “vítima” do acidente por um representante do governo de Minas Gerais.

A Presidente Dilma Rousseff limitou-se a fazer algumas declarações de solidariedade e apoio no Twitter um dia depois da ruptura das barragens e foi cumprindo a sua agenda habitual em Brasília. Depois das críticas se avolumarem, Dilma visitou a região afectada na quinta-feira, uma semana depois da ruptura das barragens, mas apenas sobrevoou de helicóptero. Não se encontrou com as vítimas mais directamente atingidas pelo desastre.

“Foi muito ruim ela não ter descido”, diz ao PÚBLICO Alexandra Sandra Maranho, moradora de Mariana e coordenadora do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB) em Minas Gerais, uma organização histórica de génese popular destinada a representar e defender os direitos das populações adjacentes a barragens. “Ela deveria ter visitado as famílias” desalojadas pela inundação de lama, “deveria ter mostrado esse lado humano”, diz por telefone.

O MAB opera como porta-voz e negociador popular junto do poder político e das empresas mineiras. “Esses processos são muito delicados, porque deixam uma comunidade pobre diante de uma empresa muito grande, muito poderosa. A empresa procura sempre negociar com as famílias separadamente. O que a gente cobra do governo federal e estadual é que cuidem para que esses processos sejam feitos colectivamente, com a participação das famílias, e que não apliquem uma receita pronta”, explica Alexandra Maranho. “A empresa tem muita pressa em fazer as coisas. Quer logo resolver tudo para dizer que fez."

Alexandra Sandra Maranho encontrou-se com Dilma em Belo Horizonte na quinta-feira de manhã para apresentar as preocupações e necessidades das 183 famílias – num total de 631 pessoas – que estão realojadas em hotéis e pousadas de Mariana. Elas querem que a Samarco garanta o seu realojamento provisório, uma renda mensal e apresente um plano para reconstruir e manter a comunidade agregada. A Samarco tem feito propostas individuais de realojamento, “mas não tem uma metodologia de agrupamento”, no sentido de manter a comunidade unida. “Não tem como reconstruir a comunidade de Bento Rodrigues naquele lugar”, diz.

Na manhã da sua visita a Minas Gerais, Dilma Rousseff disse ter presenciado “talvez o maior desastre ambiental que afectou grandes regiões no país" e anunciou a aplicação de uma multa à Samarco no valor de 250 milhões de reais (60,8 milhões de euros).

Apesar de a Samarco anunciar desde o primeiro dia que a lama não é tóxica, análises laboratoriais das águas do Rio Doce detectaram a presença de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre e mercúrio. “O Rio Doce acabou. Parece que atiraram a tabela periódica inteira” para dentro do rio, disse Luciano Magalhães, director do Serviço Autónomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu, município no estado de Espírito Santo que declarou o estado de calamidade pública e que, como tantas outras localidades dependentes do Rio Doce, teve de suspender a distribuição de água potável à população.

O impacto ambiental do desastre ainda é incalculável, alertam biólogos, e pode demorar décadas até a biodiversidade e a fertilidade dos solos atingidos ser reposta. Alguns cientistas têm notado que, independentemente de ser tóxica ou não, a lama altera a profundidade e a largura do rio e reduz os níveis de oxigénio na água, afectando a reprodução e alimentação dos peixes. O último balanço oficial do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, fornecido ao PÚBLICO, é de sete mortos confirmados e 15 pessoas desaparecidas – nove são trabalhadores ligados à Samarco, seis são moradores de Bento Rodrigues, incluindo uma menina de quatro anos. Foram encontrados quatro corpos, mais aguardam identificação.

As causas da ruptura das barragens ainda estão por apurar. Segundo a revista Época, há já três anos que as barragens não eram inspeccionadas pela entidade pública responsável pela fiscalização das empresas e equipamentos mineiros, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O DNPM não exige que as empresas emitam relatórios anuais sobre a segurança das suas barragens. E no estado de Minas Gerais existem apenas oito inspectores para 735 barragens.

“A fiscalização fica a cargo da empresa, que por sua vez contrata consultores externos. Isso tem uma vantagem e uma desvantagem. Vantagem: contrata-se um especialista que percebe do assunto. Desvantagem: a informação sobre a barragem perde-se ao longo do tempo, de cada vez que vai um especialista externo diferente”, diz ao PÚBLICO Anderson Pires Duarte, professor de engenharia de segurança no trabalho em Belo Horizonte. “Uma barragem não rompe de um dia para o outro. Ela apresenta sinais. Se você monitorizar constantemente, você vai conhecer essa barragem e perceber se há mudanças – de inclinação, fendas, infiltração, crescimento de vegetação, etc.”

Entre 2006 e 2008, Anderson analisou 123 barragens de Minas Gerais para uma investigação de mestrado e calculou que 30% tinham um potencial elevado de ruptura. Contudo, nenhuma delas estava classificada como tal pelo órgão ambiental de Minas Gerais. Apesar de não poder confirmar se as barragens de Mariana que se romperam estavam incluídas nesses 30% por ter assinado um acordo de confidencialidade em que se comprometeu a não identificar as barragens analisadas, o engenheiro diz que “pelo porte, volume e altura, e pelo facto de terem população a jusante, automaticamente se classificam nesse grupo de alto risco”.

 

 

 

 

 

 

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