A direita é “Deus, Pátria, Família”

As pessoas começam (começam!) a fartar-se de política construída à base de misoginia, à base de religiosidade bacoca cristã, à base de lésbigaytransfobia, à base de racismo. Se querem um país “à Frente”, parem de o fazer andar para trás

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Enric Vives-Rubio

Poderia pensar-se que caiu, no dia 10 de Novembro, um governo cujas políticas económicas tinham vindo arrastar para a miséria milhares de famílias; feito emigrar muitos milhares mais; precarizado os trabalhadores e feito baixar a frequência universitária como há muito não se via.

Ter-se-ia razão em pensar tal coisa. Só que, à boa velha moda dos exames, seria uma “resposta incompleta”. E se alguém que me esteja a ler for acerrimamente a favor da coligação PàF e não compreende porque é que amigas e amigos estão felizes com a queda de Passos Coelho "et alii", talvez ler este texto ajude.

Uma parte da felicidade de quem vê este governo cair não tem que ver, directamente, com Economia. Tem que ver com questões mais fundamentais: um desajuste entre uma base ocidental contemporânea de ideias, construída em torno dos Direitos Humanos, e a direita. Tem que ver com a mesma coisa que fez muito boa gente de esquerda criticar acerrimamente o PCP, há alguns anos, pela sua falta de compromisso com os direitos LGBT; criticar o PS pela sua falta de compromisso em conceder direitos plenos de parentalidade aquando da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Que é isto: as pessoas começam (começam!) a fartar-se de política construída à base de misoginia, à base de religiosidade bacoca cristã, à base de lésbigaytransfobia, à base de racismo.

Estão fartas de figuras como Pedro Arroja, que se põe a comentar “as meninas do Bloco de Esquerda no Parlamento, aquelas esganiçadas”, dizendo “Eu não queria nenhuma daquelas mulheres, nem dada”. Terá sido isto brejeira conversa de café? Não, foi um político e universitário português, num canal de televisão, perante uma pivô. Alguém que, no século XXI, se põe a falar de mulheres com uma carreira reconhecida nestes termos, como quem fala de uma peça de carne que se vê no talho, não pode ter lugar numa sociedade democrática.

Estão fartas de saber que uma Isabel Moreira ou uma Helena Roseta estão a chegar ao seu local de trabalho e são alvo de agressões físicas e verbais por pessoas que se dizem muito preocupadas com a democracia em Portugal (já agora, Pedro Arroja disse que a violência é coisa da esquerda… vai na volta vão começar a dizer que havia infiltrados na manifestação pró-PàF).

Estão fartas de partidos que são capazes de votar contra algo tão ridiculamente óbvio do ponto de vista constitucional quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estamos fartos de políticos que, perante um desastre natural, se armam em padres e se põem a falar de Deus. (Também estamos fartos de padres que se põem a comentar candidaturas presidenciais, já agora.)

Estão fartas de não conseguir passar por uma notícia com Costa que não termine com comentários ao seu património genético ou cor da pele.

Vêem onde quero chegar? Estão fartas de ter discussões literalmente herdadas do século XIX, no século XXI. Eu sei que as letras são as mesmas, mas a ordem faz diferença.

Ainda há quem venda a ilusão de que se pode ser "fiscalmente conservador e socialmente progressivo". Pode. Teoricamente pode.

Teoricamente, eu também posso ser um professor, atleta olímpico, astronauta e chef de cozinha, tudo ao mesmo tempo. Só preciso que a realidade se adapte aos meus desejos… nesta realidade aqui, as políticas económicas e fiscais preferidas pela direita têm como resultado directo o aumento da fragilidade de grupos discriminados, amplificado pelas políticas sociais que a direita prefere.

As pessoas estão fartas, e eu também, de ver grupos como a JSD irem buscar o “Red Scare” americano da Guerra Fria para fazer propaganda política. Já chega. Se querem um país “à Frente”, parem de o fazer andar para trás.

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