Matt Berninger agora é mesmo chato
Return To The Moon é um disco a duas velocidades: devagarinho e rigor mortis
Parece uma manobra inteligente por parte dos El Vy colocar como primeira canção do álbum de estreia o melhor tema do tomo. É uma forma de seduzir o ouvinte e o levar para o quarto - para depois lhe fazer murchar o entusiasmo (passe a expressão). Os El Vy, note-se, são Matt Berninger, o vocalista dos National, e outro sujeito, de quem nem os assessores de imprensa, que estão incumbidos de escrever os comunicados de imprensa, sabem o nome. Vem na Bíblia: há figuras assim, eleitas, carismáticas, que roubam o brilho aos lustres, ofuscam os demais humanos e provocam torcciolos nos invejosos que se viram para os olhar quando entram numa sala. “When I walk into a room/ I do not lit it up”, cantava Berninger no último disco dos National. É mentira, claro: Berninger tem mais luz que Cahora Bassa à hora de ponta. E, segundo um rápido censo à comunidade feminina a que temos acesso (aproximadamente zero), provoca mais ponta calado que a cantar num disco dos El Vy.
E assim acontece que: mal ouvimos a voz de Berninger em Return to the moon, a mencionada faixa inicial (homónima ao disco), pensamos “Isto são os National”, embora o GPS musical não consiga precisar onde e quando: é do primeiro disco?, é do último?, é dos do meio? Há umas guitarrinhas levemente mais agitadas do que as dos National, uma coisa assim com balanço de onda de meio metro, e aquele tom de barítono por entre o adorno das teclas, antes de a guitarra voltar, com um baixo gingão que lembra vocês sabem bem quem. Se quiséssemos ser picuinhas podíamos dizer que Return to the moon não seria descabida nos dois primeiros álbuns dos National (no que toca à simplicidade da composição) ou no último disco (no que toca à sofisticação da produção). Depois, e até ao funk branco de Need a friend (que, não por acaso, é uma frase que abunda na obra dos National), eles perdem-se num registo de sobredose de morfina mais apropriado a soldados amputados que a seres humanos que respiram, em particular em No time to crank the sun (que surge mais à frente). Need a friend, contudo, tem um certo assomo de vida, que se traduz num par de guitarras a estrebuchar no refrão, um truque muito usado por vocês sabem quem. Uma boa parte do disco confia mais nas teclas que na ferocidade das seis cordas de uma guitarra (o que é sempre pecado, embora não venha na Bíblia), ao ponto de Silent Ivy Hotel, por entre a sua profusão de coros pirosos, dar ares de Leonard Cohen no pós-anos 80. No fundo, isto é Berninger a fazer o que lhe apetece sem debitar demasiado suor para atar todas as pontas, forma de dizer que: não se trata de más canções, antes de canções que não foram trabalhadas ao mínimo pormenor (ao contrário do que acontece com os hiper-perfeccionistas National). Return To The Moon, repete-se, sendo um disco praticamente a duas velocidades (devagarinho e rigor mortis), é um disco de extremos: tem as fragilidades dos primeiros discos dos National e a sofisticação do último. E só um fetichista de comida come cabeça de vaca e pata de boi: a maior parte de nós gosta é de um bom lombo. Há pouco lombo em Return To The Moon.