O bacalhau da Terra Nova está a recuperar
Estudo canadiano mostra que as populações de bacalhau-do-atlântico na região da Terra Nova e do Labrador se encontram em recuperação. Este stock de pesca, que já foi um dos maiores do mundo, tinha entrado em declínio nos anos de 1990 devido à pesca excessiva e à má gestão.
Ao fim de duas décadas de declínio, o stock de bacalhau-do-atlântico na região da Terra Nova e do Labrador está a dar sinais de recuperação, indica um estudo publicado recentemente na revista científica The Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences. A população de bacalhau passou de dezenas de milhares para centenas de milhares de toneladas ao longo da última década, e continua a crescer, o que é considerada a mais importante recuperação de uma reserva de peixe a nível mundial.
As populações de bacalhau da Terra Nova e do Labrador já foram uma das mais importantes reservas de pesca do mundo, mas entraram em colapso nos anos de 1990 devido à pesca excessiva e à má gestão. Este declínio levou à proibição da pesca do bacalhau em vários locais na costa do Canadá. A investigação da equipa liderada por George Rose, da Universidade Memorial da Terra Nova em São João, analisou o stock da chamada subdivisão 2J3KL, onde a pesca do bacalhau está praticamente proibida desde 1992.
Este aumento de biomassa é um bom indicador da recuperação deste stock mas, como explica ao PÚBLICO George Rose, “não podemos prever quando é que esta população estará totalmente recuperada”: “Isso depende da sua taxa de crescimento. Se se mantiver o crescimento dos últimos anos, em poucos anos poderá ultrapassar as 650.000 toneladas de animais em idade de reprodução [limite determinado pelo Departamento das Pescas e dos Oceanos do Canadá, abaixo do qual a pesca deve ser inexistente ou muito limitada]. Mas se o crescimento abrandar, poderá demorar muito mais.”
A próxima avaliação oficial do stock vai ser feita em 2016, pelo Departamento das Pescas e dos Oceanos do Canadá. Embora o stock esteja em recuperação, ainda não atingiu os níveis desejados de sustentabilidade e por isso as restrições à pesca do bacalhau poderão ser mantidas.
O bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua) existe no Atlântico Norte e no Árctico e é a espécie de bacalhau tradicionalmente consumida em Portugal. Os portugueses começaram a pescar bacalhau no século XVI. Durante o século XX houve um grande impulso a esta pesca e a frota portuguesa de pesca de bacalhau chegou a ter 100 navios. Hoje está limitada a 13 arrastões.
Actualmente, uma parte do bacalhau consumido em Portugal é importada, vindo a maior parte do Canadá. Outra parte é pescada por navios portugueses no Árctico, na Noruega e no Atlântico Nordeste, em regiões vizinhas da zona onde foi feito este estudo.
De 2000 para 238.000 toneladas
Na região da Terra Nova e do Labrador há águas pouco profundas, o que permite cadeias alimentares muito ricas. A abundância de bacalhau nesta região é historicamente conhecida. Quando os navegadores portugueses no final do século XV chegaram à Terra Nova chamaram-lhe a Terra do Bacalhau. No entanto, no século XX as populações de bacalhau nesta zona sofreram um grande declínio, tendo sido até considerado um exemplo dos efeitos negativos da má gestão e de pesca excessiva das reservas piscatórias.
A equipa de George Rose estudou a população de bacalhau no canal de Bonavista, na costa da Terra Nova, desde 1990 até 2015, indo para o mar quase todos os anos. Usando métodos bioacústicos, que permitem determinar a dimensão de um cardume através da emissão de sons subaquáticos e a recepção do seu eco, os cientistas determinaram a biomassa do bacalhau no fim do Inverno e início da Primavera, ao longo dos anos.
Para o ano de 1990, essa biomassa foi estimada em 450.000 toneladas, em 1992 este valor passou para 100.000 toneladas, e em 1994 diminuiu drasticamente para menos de 2000 toneladas. “Apenas permanecia no canal um remanescente de peixes pequenos e em fracas condições, e por toda a restante região de distribuição deste stock foram localizados poucos peixes”, refere o artigo científico.
Foi em 2003 que se começou a verificar uma ligeira melhoria, atingindo as 5000 toneladas. E, a partir de 2007, tem-se observado um aumento progressivo ao longo dos anos, passando das 17.000 toneladas existentes naquele ano para 238.000 toneladas em 2014. Ainda assim, continua abaixo das 650.000 toneladas, o limite mínimo para permitir a pesca do bacalhau na zona. A equipa analisou outras regiões vizinhas ao canal de Bonavista e as estimativas por bioacústica foram complementadas – e corroboradas – por dados de amostragens e por desembarques de pesca nas lotas.
Os investigadores consideram que os resultados traduzem uma recuperação deste stock e não a migração de bacalhau para esta zona. “Ocorreu uma redistribuição dos animais, mas dentro da amplitude conhecida de distribuição do stock”, explica-nos George Rose.
O estudo considera que, para além das restrições à pesca nesta zona, a existência de outras condições favoráveis contribuíram para a recuperação. Neste trabalho, os cientistas também analisaram dados sobre as populações de capelim (Mallotus villosus) nesta região, um peixe que é um alimento-chave para o bacalhau. Descobriram que a população de capelim, que também sofreu uma redução drástica na década de 1990, tem vindo a recuperar nos últimos anos, acompanhando o aumento da temperatura das águas. “Com condições ambientais favoráveis, que neste caso foram o aumento de capelim e a grande redução da pesca, até os stocks mais dizimados têm potencial para recuperar”, diz George Rose, citado num comunicado do grupo editorial que publica a revista The Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences.
Os autores ao analisar este stock de bacalhau ao longo dos anos verificaram que a recuperação passou por três fases. Na primeira, ao longo de uma década e meia de moratória à pesca e a melhoria de outras condições ambientais permitiram uma recuperação no canal de Bonavista. Posteriormente, na segunda fase, duas regiões a norte do canal de Bonavista tornaram-se também mais povoadas por este peixe. Na fase actual, verifica-se um forte recrutamento de bacalhau (altura em que atinge o tamanho para ser pescado) tanto no canal de Bonavista como nas regiões a norte.
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A nível global, a actual situação do bacalhau é considerada complexa e sujeita a circunstâncias em constante mudança. O bacalhau faz migrações, mas cada stock tende a manter-se em determinadas zonas. Assim, diferentes stocks podem estar sob diferentes condições.
Na altura em que foram divulgados os resultados do estudo de George Rose, outra equipa publicou na revista norte-americana Science um estudo sobre uma população de bacalhau mais a sul da Terra Nova – mais exactamente na costa do Maine, nos Estados Unidos. Nesta zona, apesar de também haver restrições à pesca, a reserva de bacalhau continua em declínio.
O golfo do Maine situa-se no limite sul da distribuição geográfica do bacalhau-do-atlântico, que é uma espécie de águas frias. Os autores deste segundo trabalho atribuem parte deste declínio ao rápido aumento da temperatura da água do mar nesta zona e uma mortalidade elevada de peixe jovem.
Nos últimos anos, a temperatura da água do golfo do Maine aumentou mais rapidamente do que em 99% do oceano: de 1982 a 2013, a água do Maine aqueceu a uma média anual de 0,03 graus Celsius, o que é três vezes mais alto do que a média global de aquecimento do mar. Mais: desde 2004, as águas do Maine têm aquecido ainda mais, à média anual de 0,23 graus Celsius.
Esta equipa, coordenada por Andrew Pershing, cientista do Instituto de Investigação do Golfo do Maine, usou modelos que tinham em conta as condições de temperatura na região para compreender a variação na abundância dos stocks de bacalhau. Os resultados mostraram que os modelos usados até agora para a gestão de stocks levaram ao estabelecimento de limites de pesca demasiados altos no golfo do Maine, por não tomarem em conta o aumento da temperatura da água do mar e as suas consequências sobre os animais. Por isso, mesmo cumprindo as quotas de pesca, o stock não recuperou.
Os investigadores defendem assim que os modelos de gestão utilizados para determinar os limites máximos de pesca deverão ter em consideração este factor ambiental — o aquecimento das águas. “A recuperação do stock do golfo do Maine depende de sólidas medidas de gestão, mas o tamanho do stock depende das condições de temperatura no futuro”, considera esta equipa no artigo na Science.
Estes dois trabalhos ilustram como a gestão das reservas de pesca é complexa. Os resultados verificados numa região podem ser muito diferentes dos de outras, e é muito importante incluir os factores ambientais na gestão dos “stocks” de pesca. Como salienta George Rose referindo-se às reservas de pesca na região da Terra Nova e de Labrador, “a recuperação dos stocks pode ocorrer se houver restrições à pesca baseadas na ciência, na gestão e no reconhecimento da importância de todo o ecossistema marinho, especialmente no que diz respeito ao alimento e ao clima”. Porém, o cientista tem uma visão positiva: “Se este stock [Terra Nova e Labrador] recuperar, significa que há a possibilidade de recuperação de outros stocks empobrecidos.”
Texto editado por Teresa Firmino