Os perigosos extremistas sociais-democratas (ou o mundo ao contrário)
“Classes médias de todo o mundo, uni-vos!”, terá que ser o lema deste novo milénio.
De tal forma mudou o mundo, que é caso para se dizer que, hoje, até os sociais-democratas (pelo menos os verdadeiros) comem criancinhas ao pequeno-almoço.
Num recente texto, Pacheco Pereira ilustrou bem este paradoxo contemporâneo ao enunciar diversos princípios fundadores do PPD de Francisco Sá Carneiro, que hoje são considerados perigosamente extremados, quer pelas gentes do PSD e do CDS, quer mesmo por algumas facções do PS.
Se no PREC se podia dizer que tudo estava guinado à esquerda (em que Mário Soares era considerado um perigoso fascista, aliado da CIA e dos Americanos), hoje deu-se uma volta de 180 graus, em que tudo o que se afasta da cartilha neoliberal do consenso do Washington, do Clube de Bilderberg ou da Mont Pelerin Society é considerado um perigoso extremismo de esquerda.
Por isso, Pacheco Pereira ou Diogo Freitas do Amaral são vistos como loucos anacrónicos, que guinaram para a esquerda, quando tudo o que fizeram foi, apenas, terem-se mantido fiéis aos seus ideais (a social-democracia em Pacheco Pereira, a doutrina social da Igreja, em Freitas do Amaral).
A verdade é que a lógica do mundo mudou desde os anos 60/70. O bloco de Leste ruiu (tirando argumentos a alguma esquerda) e os “senhores do mundo”, com a sua eficiência habitual (no tomada do poder), foram percebendo o que tinham que fazer para contornar a democracia.
Na Europa, este fenómeno foi global, com os diversos partidos socialistas a seguirem as ordens dos “donos do mundo”, criando a “terceira via” que mais não é do que a via neoliberal com cosmética social, de que Tony Balir foi um dos maiores protagonistas.
Supranacionalmente, é culpa da Organização Mundial do Comércio esta globalização selvagem que nos governa e é culpa da desregulamentação financeira esta financeirização perversa que nos oprime. E tudo isso alimenta a pobreza e as guerras que grassam no mundo, da qual brotam os refugiados e a emigração desesperada.
Está de tal maneria o mundo que mesmo os bastiões da boa social-democracia (os países nórdicos) se vêem forçados a ir mudando de rumo, tal é a força desta nova ordem mundial.
Porém, com a crise financeira de 2008 (e as sucessivas ondas de choque) mais as constantes instabilidades da economia mundial, começa a ficar claro que a via neoliberal conduzirá o mundo a uma inevitável catástrofe financeira e militar.
A única saída para um problema global como este é uma resposta popular global. Se antes se pedia às classes operárias de todo o mundo que se unissem na conquista dos seus direitos, hoje temos que apelar à consciência colectiva das classes médias de todo o mundo para que não permitam que lhes destruam a vida.
Precisamos de força colectiva para regular a globalização (e impedir o dumping social), controlar os mercados financeiros (e impedir a especulação sem fim) e estancar a evasão fiscal em massa (acabando com os paraísos fiscais e a lavagem de dinheiro debaixo dos nossos narizes).
Não precisamos de destruir o capitalismo ou a economia de mercado, precisamos, apenas, de voltar a pô-los sob o jugo democrático dos povos.
“Classes médias de todo o mundo, uni-vos!”, terá, então, que ser o lema deste novo milénio. Essa será a única forma de deixarmos de viver num mundo cada vez mais instável e perigoso, num mundo ao contrário, em que a infelicidade é o único destino.
Economista, doutorado em economia da felicidade