A estranha tranquilidade do nascimento de um super-laboratório

Cerca de 800 cientistas vão trabalhar no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) que está a nascer no Porto, a partir da cooperação entre três grandes unidades científicas portuguesas. As mudanças para um novo edifício de 21,5 milhões de euros ainda estão em curso.

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O novo instituto de investigação I3S, no Porto Diogo Baptista
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O novo instituto de investigação I3S, no Porto Diogo Baptista
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O novo instituto de investigação I3S, no Porto Diogo Baptista
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Mudanças para o novo instituto de investigação I3S Diogo Baptista
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Mudanças para o novo instituto de investigação I3S Diogo Baptista
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Mudanças para o novo instituto de investigação I3S Diogo Baptista
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Mudanças para o novo instituto de investigação I3S Diogo Baptista

Das instalações do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) até ao novo Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) vão 300 metros. A distância é curta, mas a dimensão do que é preciso mudar de um edifício para outro por estes dias tem obrigado a que sejam usados camiões para cumprir o percurso. “As coisas mais pequenas ainda as conseguimos levar à mão, mas as outras nem pensar”, conta a espanhola Maria Lazaro, coordenadora de equipa de apoio ao trabalho dos cientistas do super-laboratório que está a nascer no Porto.

Maria Lazaro está concentrada no processo de desmontagem do microscópio confocal de Raman. Na sala negra, uma mesa de 600 quilos aguarda que lhe seja retirada toda a parafernália de monitores, manípulos e fios que a encimam para poder ser transferida para o novo laboratório. Este é um dos últimos equipamentos a deixar o Ipatimup. “Está tudo tão triste”, comenta aquela responsável, enquanto percorre o corredor onde praticamente só sobram salas vazias.

O I3S é um edifício imponente, em betão, como uma caixa forte. Custou 21,5 milhões de euros, foi desenhado pelos arquitectos João Pedro Serôdio e Isabel Furtado e construído durante os últimos quatro anos, no pólo universitário de Asprela, no Porto — em frente à Faculdade de Psicologia e a uma curta distância do Hospital de S. João, por exemplo. A importância do novo centro de investigação não fica pela sua infra-estrutura física. O centro nasce da cooperação entre três dos mais relevantes centros de investigação portugueses: o Ipatimup, o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e o Instituto de Engenharia Biomédica (Ineb).

A estes, juntam-se mais dois grupos de investigação da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Ao todo, o novo instituto vai acolher 192 projectos de investigação actualmente em curso e cerca de 800 investigadores, além de 160 funcionários de apoio. Manter esta máquina a trabalhar, desde a investigação científica até aos custos de funcionamento, atinge pelo menos os 18 milhões de euros por ano. A partir das histórias anteriores destes centros científicos, a intenção é criar “uma ideia comum de instituto de investigação”, explica o director do I3S e antigo homem-forte do Ineb, Mário Barbosa (ver entrevista ao lado).

Grandes desafios
Por que se juntaram os três institutos num só? “A razão principal é a criação de uma instituição que responda a alguns dos grandes desafios actuais: o envelhecimento, as doenças infecciosas e o cancro, fazendo emergir uma área transversal de ponta — a medicina regenerativa. As três instituições têm valências diferentes e complementares, que vão desde a biologia básica até à biomedicina e engenharia biomédica”, responde por sua vez Claudio Sunkel, vice-director do I3S. “É também nosso objectivo aumentar a captação de fundos internacionais e, em simultâneo, a integração com os sectores empresariais, em particular na área da saúde e dos dispositivos médicos”, refere Claudio Sunkel, acrescentando que a estratégia futura do I3S passará igualmente por “relações fortes” com várias faculdades e hospitais (incluindo serviços clínicos, de diagnóstico e de desenvolvimento de dispositivos médicos) e pela comunicação com a comunidade. “Queremos que todos possamos beneficiar rapidamente do conhecimento produzido.”

À porta das novas instalações ainda não há uma placa evocativa da inauguração como habitualmente se encontra em lugares como este — também não há ainda uma data para a abertura formal do I3S, sendo certo que apenas acontecerá no início do próximo ano. Já há, todavia, normas de segurança a cumprir antes da entrada. No interior, ainda não se vê praticamente qualquer tipo de sinalética, excepto uns números em vinil branco, colados nas paredes que foram deixadas em cimento bruto. Há por isso quem se perca, como, por mais de uma vez, aconteceu enquanto o PÚBLICO visitava o local.

Àquela hora, há dezenas de pessoas no interior do I3S. Um pequeno grupo de bolseiros retira provetas, tubos de ensaio e frascos de uso laboratorial de caixas de cartão e começa a colocá-los nos respectivos locais, num dos laboratórios. Nos corredores, há ainda grandes equipamentos rodeados de plástico transparente e dezenas de caixas que aguardam a sua vez para que o conteúdo chegue ao local de destino. Uma folha verde em cada uma delas evita confusões. Está lá toda a informação necessária para que tudo corra bem: “Piso X, Corredor Y; Posto de trabalho Z.”

Apesar de tudo, não há um burburinho muito evidente. O nascimento deste super-laboratório faz-se num ambiente de tranquilidade que chega a ser estranha. Por um lado, o novo edifício é demasiado grande — tem mais de 20 mil metros quadrados — para que se note a azáfama que invadiu alguns dos 50 laboratórios. A aparente acalmia é também responsabilidade do processo de organização da mudança.

Carlos Silva, responsável pela manutenção, foi quem coordenou o processo de transferência dos equipamentos dos três institutos que deram origem ao I3S. Os primeiros objectos começaram a ser embalados a 12 de Outubro. No final da última semana, a maior parte já tinha chegado ao novo edifício. “Não podíamos mudar tudo ao mesmo tempo. Foi preciso criar uma organização”, conta.

As mudanças foram feitas por grupos — o I3S organiza-se em torno de três grandes programas: cancro; neurociências e doenças degenerativas; interacção entre hospedeiro, patogénicos e dispositivos médicos — que estão instalados em diferentes alas do edifício. Depois, havia um coordenador por cada corredor e foi dada formação específica aos investigadores para que soubessem como e quando embalar os materiais que tinham que ser transferidos.

“Toda a gente sabia que na data X começavam a empacotar e que no dia combinado a empresa de transporte carregava e descarregava nos locais previamente determinados”, explica Carlos Silva. A operação de mudança custou ao todo meio milhão de euros. A este valor, que pagou a transferência do equipamento científico que veio dos institutos anteriores, juntou-se o investimento de 2,5 milhões de euros para equipamento básico, como as câmaras que os laboratórios têm que ter para lidar com produtos químicos, a rede informática ou bancadas de laboratório.

Num processo destes o que pode correr mal? “Tudo”, diz, descontraído, o responsável pela manutenção do I3S. Como a energia eléctrica que ia abaixo frequentemente a uma semana do início da mudança ou os ajustes na climatização da sala que recebe as câmaras frias.

Duas horas e meia depois de ter começado o processo de desmontagem do microscópio confocal de Raman, que permite obter a estrutura e as ligações químicas dos materiais, sejam biológicos ou não, sem os destruir, Maria Lazaro ainda está na sala do Ipatimup. “Há uma mudança de planos”, refere. A sala que vai acolher o equipamento ainda precisa de ajustamentos e uma inspecção com que ninguém contava dos bombeiros ao sistema eléctrico vai atrasar o processo. Como sublinhava Carlos Silva minutos antes, “tem sido sempre uma luta contra o tempo”. Mas nada que pareça capaz de incomodar a tranquilidade no novo I3S.

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