Mais de 320 crianças foram raptadas por um dos pais desde 2010
França, Reino Unido e Brasil são principais destinos de crianças raptadas por um dos pais. O tema foi discutido esta segunda-feira numa conferência em Lisboa.
Um pai que fique bruscamente impedido de estar com o filho porque este foi levado pela mãe para um outro país pode fazer um pedido para o regresso da criança; na situação inversa, uma mãe que subitamente seja surpreendida com o rapto do filho, pelo pai, fará o mesmo, desencadeando um processo, primeiro nas autoridades centrais, e depois no tribunal, que conduz a um protocolo de cooperação judicial entre os dois países envolvidos para permitir o regresso do filho. Este protocolo para permitir o regresso imediato da criança está previsto na Convenção de Haia, de 1980, que esta segunda-feira esteve em discussão em Lisboa. Mas esse processo pode demorar entre poucas semanas a vários meses.
Entre 2010 e Setembro de 2015, passaram pelas autoridades centrais em Portugal 326 pedidos para o regresso a Portugal de filhos raptados para o estrangeiro pelo pai ou pela mãe. Nos últimos seis anos, houve mais de 50 situações por ano, em média. Ou seja: mais de um rapto por semana, de acordo com os dados da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) – a autoridade central designada pelo Governo como entidade competente para avançar com os procedimentos e a cooperação judicial com vista ao regresso da criança, prevista na Convenção de Haia.
Em mais de 58% dos casos em que Portugal interveio, as crianças foram levadas para Estados da União Europeia (UE), sendo a França e o Reino Unidos os países de destino mais frequentes com mais de metade dos casos. Alemanha, Espanha e Bélgica também estão representados com 8% dos casos cada, havendo no conjunto, mas menos representados, de outros Estados como Itália, Polónia, Holanda e Luxemburgo.
A convenção foi subscrita por 93 países, incluindo Portugal e Brasil, o país fora da União Europeia para onde seguem mais pedidos de pais portugueses para o regresso dos seus filhos levados pelo outro progenitor. Mas nenhum outro país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa o fez, foi realçado na Conferência Luso-Africana sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, que decorreu no novo edifício da sede da Polícia Judiciária nesta segunda-feira.
Ainda de acordo com os dados oficiais das autoridades centrais, as crianças foram raptadas para países fora da UE em 42% das situações detectadas. E neste universo, o Brasil foi o país para onde foram levadas as crianças em mais de metade das situações (57%). Na Suíça foram registados 17% dos casos registados entre os países fora da UE.
Cada caso é um caso, e será difícil generalizar, disse ao PÚBLICO Sandra Inês Feitor, jurista e investigadora, mestre em Direito com uma tese em alienação parental, que, por isso, não avança uma estimativa para um prazo em que a maioria das situações se resolve. Podem ser semanas, se for encontrada uma solução amigável entre os pais. Mas o mais comum é estes processos demorarem meses a serem resolvidos, acrescentou a investigadora.
“Na maior parte dos casos, a família sabe onde a criança está. Outras vezes, tem uma ideia de onde é provável a criança estar”, disse João Cóias. “Mas também há situações em que a pessoa que desencadeia o processo não tem a mínima ideia onde a criança pode estar.” Estas situações extremas podem não ser resolvidos em meses, mas sim em anos.
O número de pedidos feitos em Portugal para regressos atingiu o pico em 2012, ano em que as autoridades portuguesas registaram 71. Desde então, os números mantiveram-se acima dos registados em 2010, quando tinha havido 35 situações, e em 2011, quando se registaram 53 casos.
Em 2013, foram 66 pedidos e em 2014 foram 55. A estimativa será para 2015 terminar com 61 casos. Até 30 de Setembro, tinha havido 46 casos. “Considerando que no último trimestre de cada ano surgem geralmente mais pedidos de regresso, é expectável que se chegue a um valor semelhante ao ano de 2013”, quando houve 66 casos, disse João de Oliveira Cóias, técnico superior da DGRSP, que apresentou as estatísticas mais recentes disponíveis.
Uma explicação possível para uma “maior frequência de casos”, diz Sandra Feitor, será “a fiscalização insipida nas fronteiras”. A criança pode sair do país com um dos progenitores com uma autorização escrita do outro, mas essa declaração nem sempre é solicitada à saída de Portugal, diz a investigadora. “Não tem sido feita uma boa fiscalização nas fronteiras”, afirmou ao PÚBLICO depois da sua intervenção na conferência.
O evento juntou juízes, académicos, advogados, psicólogos, no novo edifício da sede da Polícia Judiciária em Lisboa, e teve na sua abertura o presidente da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, para quem uma das formas de zelar pelo superior interesse da criança será “optar pela interpretação da lei que for mais favorável à criança”. Em resposta a uma pergunta da assistência, acrescentou: “Considerando todas as circunstâncias deve dar-se prioridade ao interesse da criança.”
Sandra Feitor enfatizou a realidade, porém, mostra que é frequente o incumprimento de acordos de regulação parental “relegando as necessidades da criança para segundo plano”.
“A questão do rapto parental é uma prática que tem sido constante em sede de conflito parental” e constitui “uma violação dos direitos fundamentais da criança, enquanto factor de ruptura abrupta com os elos de ligação familiar”, afirmou a investigadora.