Relatório do Parlamento Europeu critica a troika por não ter impedido amnistias fiscais
Recomendações sobre práticas fiscais agressivas na Europa aprovadas na comissão TAXE do Parlamento Europeu.
O relatório sobre práticas fiscais agressivas na União Europeia foi aprovado por larga maioria na comissão especial do Parlamento Europeu lançada na sequência do escândalo LuxLeaks. Na extensa lista de conclusões e recomendações incluem-se críticas à actuação da troika nos resgates de Portugal e da Grécia, em matéria de transparência fiscal.
Os eurodeputados da comissão TAXE apresentaram 1047 propostas de alteração e aditamento ao documento, que inclui mais de 40 recomendações em matéria de transparência tributária. O projecto de relatório, que tem como relatores a eurodeputada do PS Elisa Ferreira e o eurodeputado alemão Michael Theurer (dos liberais), foi aprovado na segunda-feira na comissão parlamentar com 34 votos a favor, três contra e sete abstenções.
Uma das conclusões acrescentadas ao texto, por proposta da eurodeputada Ana Gomes (PS), critica as instituições da troika por “não terem tentado impedir amnistias fiscais, decisões fiscais antecipadas, benefícios fiscais, regimes de isenção de imposto que foram e são injustamente discriminatórios, causando graves prejuízos às receitas do Estado e aumentando a carga fiscal sobre as PME e os cidadãos já sobrecarregados”.
No final de 2013, o ano do “enorme aumento” dos impostos em Portugal, o Governo lançou um perdão para empresas e particulares regularizarem dívidas ao fisco e à Segurança Social, dispensando os contribuintes do pagamento dos juros e das custas do processo de execução fiscal nos casos de pagamento a pronto, total ou parcial, da dívida. O perdão admitia a atenuação das coimas e a dispensa de pena por crime fiscal, se se verificassem determinados pressupostos.
Ana Gomes – que noutra comissão parlamentar foi relatora-sombra dos socialistas europeus nas negociações em torno das novas regras de combate ao branqueamento de capitais – viu ainda ser acrescentado outro ponto ao documento relacionado com a crise em Portugal e na Grécia.
O relatório considera que “as políticas de austeridade e contenção orçamental nos últimos anos reduziram significativamente a capacidade de as administrações fiscais investigarem crimes fiscais e práticas fiscais prejudiciais”. Os cortes, lê-se no relatório, foram “particularmente nocivos” nos países sob programas da troika, onde “o aumento das receitas do Estado foi conseguido à custa de PME e cidadãos sobrecarregados, enquanto muitas vezes as grandes empresas e os cidadãos mais ricos beneficiaram de amnistias fiscais, decisões fiscais antecipadas e outras isenções fiscais e regimes de benefícios fiscais, como foram os casos de Portugal e Grécia”.
O relatório observa com “grande preocupação” que “a elisão fiscal das empresas tem um impacto directo nos orçamentos nacionais e na repartição do esforço fiscal entre categorias de contribuintes e entre os factores económicos (em benefício dos factores mais móveis, como o capital sob a forma de investimento directo estrangeiro)”.
Para evitar que os lucros saiam da União Europeia sem pagar impostos, o relatório propõe que os fluxos financeiros sejam taxados à saída “pelo menos uma vez, por exemplo, através da obrigatoriedade de uma retenção na fonte”.
Entre as recomendações feitas ao longo do relatório, a comissão TAXE pede ainda para a Comissão Europeia criar critérios comuns “à escala da UE para as decisões fiscais antecipadas”, ou seja, para as situações em que uma autoridade tributária de um país estabelece acordos fiscais, emitindo declarações em relação a uma empresa a definir a forma como será calculado o imposto a pagar ou como serão usadas disposições fiscais específicas.
A questão ganhou relevo com o escândalo LuxLeaks, depois de o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) revelar em Novembro do ano passado acordos secretos entre Luxemburgo e mais de 300 multinacionais celebrados entre 2002 e 2010.
Para serem adoptadas decisões antecipadas, os deputados defendem que é preciso ter por base uma “análise exaustiva, na qual participem todas as partes e todos os países envolvidos”, havendo igualdade de tratamento a todos os contribuintes. Os acordos devem respeitar integralmente as “disposições fiscais de base” e devem ser divulgados publicamente, “quer na íntegra, quer de forma simplificada, mas respeitando plenamente os requisitos de confidencialidade”.
Os deputados defendem que a Comissão Europeia tenha acesso à informação sobre os últimos beneficiários das decisões fiscais antecipadas. Outra medida sugerida é que haja uma troca global de informações fiscais, não apenas na União Europeia, mas mesmo ao nível das grandes potências mundiais representadas no grupo do G20. Um mecanismo funcionaria por exemplo “através do desenvolvimento de uma única norma comum de comunicação no domínio da troca automática de informações ou através da divulgação pública da propriedade efectiva”.
A Comissão Europeia lançou já um plano de acção para “promover uma tributação justa e eficaz das sociedades”. Os deputados manifestam apoio, pedindo que Bruxelas tome “medidas imediatas para assegurar a tributação efectiva, reduzir a transferência de lucros” e preparar um regime de compensação transfronteiras de perdas e lucros.
O relatório TAXE surge em paralelo com uma proposta, separada, da Comissão Europeia que obriga os Estados-membros à troca automática de informações sobre decisões fiscais antecipadas transfronteiriças. A directiva, a aplicar a partir de 1 de Janeiro de 2017, foi considerada insuficiente pelos eurodeputados. Uma “oportunidade falhada” para aumentar a transparência e combater o planeamento fiscal agressivo, reagiu o deputado alemão democrata-cristão Markus Ferber, relator do Parlamento Europeu.
Na comissão TAXE têm também assento, para além de Elisa Ferreira e de Ana Gomes (suplente), Marisa Matias (Bloco de Esquerda), vice-presidente da comissão, e Miguel Viegas (PCP).