Os livros que os editores portugueses trazem na mala num ano com muita política mas pouca criatividade
Muitos livros de memórias, algumas estreias. No ano em que não houve “o” livro da feira, Frankfurt mostra que muitas das apostas vêm do resto do mundo, o que não fala inglês.
Não se pode dizer que haja um livro em destaque na 67.ª edição da Feira do Livro de Frankfurt, que termina este domingo. Esta é a opinião unânime dos editores portugueses com quem fomos falando por estes dias, sempre atarefados a correr de reunião para reunião. E isto mesmo quando, na véspera da abertura, foi anunciado em Londres o vencedor do prémio Man Booker 2015, um romance a tocar o universo da pop: A Brief History of Seven Killings, do escritor jamaicano Marlon James, um romance sobre a tentativa de assassínio do músico Bob Marley em 1976.
O livro de James ainda não foi comprado por nenhuma editora portuguesa. Uma das razões para isso não ter ainda acontecido é o facto de levantar “muitas dificuldades na sua tradução”, explica ao PÚBLICO, o editor Carlos Veiga Ferreira, da Teodolito. Isto porque é um romance com mais de 700 páginas, que utiliza muito calão e tem um capítulo escrito em patois (o crioulo jamaicano).
Embora alguns editores portugueses estejam a disputar o livro, outros, como Clara Capitão, directora da Penguin Random House Grupo Editorial Portugal, não se interessaram por este prémio. Como o livro não está sequer ainda comprado, “quando acabarem a tradução (que vai ser dificílima) e o conseguirem publicar, já terá passado o hype”, acredita a editora.
Em Portugal, uma das últimas experiências com um Booker com grandes custos de tradução pela sua dimensão – mais de 800 páginas - foi a de Os Luminares, de Eleanor Catton, premiado em 2013, e não foi o habitual sucesso de vendas.
Já antes da feira começar, os direitos de The Book of Mirrors, um romance do romeno que escreve em inglês e vive no Reino Unido E. O. Chirovichi, estavam a ser disputados. Conta a história de um agente literário em Nova Iorque que recebe um manuscrito e suspeita que o seu autor está, na verdade, a escrever um livro de memórias onde revela um assassinato ocorrido nos seus tempos de estudante em Princeton, nos anos 1980. Foi um dos destaques da feira e já foi comprado para Portugal pela editora Jacarandá. Está a ser descrito pelos agentes como uma espécie de A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, o best-seller mundial do suíço Joël Dicker. E. O. Chirovichi tem um primeiro romance, O Massacre, que vendeu mais de 100 mil cópias na Roménia.
Amar depois do Holocausto
Nesta Feira do Livro de Frankfurt, o braço português da Penguin Random House comprou um livro de não-ficção que “vai dar muito que falar no início de 2016”, diz Clara Capitão, garantindo que, para já, não pode revelar nada. O que já tem entrada garantida nos seu catálogo é Fever at Dawn, do autor e realizador húngaro Péter Gárdos, 67 anos, que esteve na feira a lançar a edição alemã.
“Este foi o grande livro da última Feira de Londres e vai ser também um filme [que está em pós-produção e estreará em Dezembro]. Cada vez mais os grandes livros da feira não são anglo-saxónicos”, sublinha a editora. “Curiosamente este ano houve vários livros alemães que deram que falar: um thriller da editora Suhrkamp, um livro da Ullstein sobre o coração e as memórias do sobrinho de uma aristocrata alemã conhecida por ter dado uma festa em que se mataram 18 judeus. Há muito tempo que não se ouvia falar tanto de tantos livros alemães”, acrescenta Capitão.
Fever at Dawn conta a história de um sobrevivente do Holocausto, Miklos, pai de Péter Gárdos, que saiu do campo de extermínio nazi de Bergen-Belsen muito doente, com 27 quilos e uma estimativa de vida de seis meses. Refugiou-se na Suécia, em 1945, e foi aí, num hospital, que escreveu cartas a 117 mulheres húngaras que também estavam internadas em hospitais nórdicos. Recebeu algumas respostas. Uma delas era da mãe de Péter Gárdos, outra sobrevivente do mesmo campo de concentração. Antes de casarem, trocaram centenas de cartas e, quando o pai de Péter morreu, a mãe deu-lhe as cartas de ambos. “Não acho que este seja um romance sobre o Holocausto, é uma história de amor”, disse Péter Gárdos em Frankfurt, o autor que estará também em Portugal para promover o livro.
“Mesmo antes da feira também comprei o novo livro da série Twin Peaks, que deve estrear em 2016. E para publicar na chancela Alfaguara, um livro de contos incrível, uma espécie de clássico redescoberto pela editora da Farrar Straus and Giroux: A Manual for Cleaning Women: Selected Stories. A autora é Lucia Berlin [1936-2004]”, diz Clara Capitão, que também adquiriu o novo romance do Joël Dicker que é nº.1 nos tops de vendas em França.
“A sensação geral entre os editores estrangeiros com quem fui falando foi de que havia poucas propostas realmente interessantes”, assegura esta directora editorial, para em seguida acrescentar, com alguma surpresa: “Foi uma das feiras menos interessantes dos últimos dez anos. O que é estranho, porque o pior da crise financeira e económica já passou. Seguiu-se-lhe uma crise de criatividade, infelizmente. As feiras dos últimos cinco anos têm sido muito fracas, depois houve uma ligeira recuperação em Frankfurt 2014 e Londres 2015, mas nesta edição a qualidade das propostas voltou a cair muito, sobretudo as de literatura e de não-ficção mais séria.”
As memórias de Ai Weiwei
Numa feira que está mais politizada do que nunca, com conferências e discussões à volta de temas como a imigração e os refugiados, estão também em destaque os livros de memórias e de política.
Entre os livros de não-ficção mais falados encontra-se And the Weak Suffer What They Must?: Europe's Crisis and America's Economic Future, do ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis, que será publicado em língua inglesa em Abril do próximo ano. Também se tem falado muito das memórias do artista plástico chinês Ai Weiwei, que ainda não têm título.
Neste livro, o artista dissidente conta, além da sua própria história, a do pai, o poeta Ai Quing, que morreu em 1996. Membro do Partido Comunista Chinês e colaborador próximo de Mao Tsé Tung, caiu em desgraça e foi condenado a trabalhos forçados. O artista diz que, tal como o seu pai no passado, vive numa sociedade totalitária. E para que as memórias individuais não sejam apagadas pelos regimes totalitários decidiu escrever este livro, a ser publicado em língua inglesa na Primavera de 2017. A obra já está vendida para mais de 12 territórios mas ainda não foi comprada pelos editores portugueses.
Também na feira está à venda, com o título provisório The Girl with the Lower Back Tattoo, o livro de memórias da comediante de stand-up norte-americana Amy Schumer, assim como a autobiografia do músico britânico Phil Collins, que ainda não está escrita.
Outro livro de registos pessoais que atraiu a atenção de vários editores por sair do habitual foi South of Forgiveness, de Thordis Elva e Tom Stranger, obra que conta a história de uma violação do ponto de vista da vítima e do seu violador. Eva, jornalista, foi violada aos 16 anos por Stranger. Mais tarde procurou-o e chegaram a acordo para escrever este livro, na esperança de que a obra venha a ajudar outras pessoas a ultrapassarem traumas semelhantes.
Um livro-incêndio
Na área de não-ficção, o editor José Prata, da Lua de Papel/Leya, deparou-se com uma oferta enorme de livros sobre inteligência artificial e robôs, principalmente do mercado anglo-saxónico, entre os quais o de um autor português, The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning Machine Will Remake Our World, de Pedro Domingos, professor da Universidade de Washington, que ainda não foi comprado para Portugal. Prata adquiriu já Anticancer Living, de Lorenzo Cohen, e, mesmo antes da feira começar, tinha já incluído na sua lista de compras The Rabbit Who Wants to Fall Asleep, do psicólogo sueco Carl-Johan Forssén Ehrlin, da Universidade de Jönköping, que promete ensinar aos pais como pôr os filhos a dormir em poucos minutos.
Carmen Serrano, também do grupo Leya, comprou mais um romance de estreia para o publicar na Teorema, The Nest, de Cynthia D'Aprix Sweenie, e, para publicar na Asa, o novo mistério de Poirot, que volta a ser escrito pela autora Sophie Hannah, além da sequela de Como Água para Chocolate, da escritora mexicana Laura Esquível. “Este livro foi, compreensivelmente, uma das notícias mais badaladas da feira. Fiquei muito contente por ver americanos e ingleses anunciarem, com orgulho, apostas em livros traduzidos. Haverá mudanças no ar?”, interroga-se a editora.
Por sua vez a Quetzal, do grupo Porto Editora, comprou “um livro extraordinário de uma autora argentina desconhecida em Portugal mas que rapidamente vai estourar”, revela ao PÚBLICO a editora Lúcia Pinho e Melo. “Chama-se Las Cosas que Perdimos en el Fuego e é de Mariana Enríquez. Foi vendido [na feira] com a voragem de um incêndio em mais de 14 territórios”, diz a editora. “Não é um romance, mas as 12 histórias que compõem o livro formam um universo ficcional riquíssimo, de grande coesão e originalidade. Verdadeiramente estarrecedor. Faz lembrar Bolaño, Poe, enquanto é uma voz inteiramente nova.” Diz esta responsável da Quetzal que Jorge Herralde, da Anagrama, o primeiro editor do chileno Roberto Bolaño, vai publicá-lo já em Fevereiro.
Este famoso editor espanhol também trouxe para a feira o romance póstumo de Rafael Chirbes, París-Austerlitz, livro em que o autor que morreu em Agosto estava a trabalhar, já na fase de revisão, e que conta a história de um pintor comunista espanhol que vai para Paris e conhece um operário por quem se apaixona. O livro não está comprado para Portugal porque está ainda a ser trabalhado, mas a Assírio & Alvim (que editou um dos seus livros, Na Margem) já tem a garantia de ficar com os seus direitos de publicação.
O PÚBLICO viajou a convite da Embaixada da Alemanha