Morreu o chefe Silva, Sr. TeleCulinária
“Conhecia como ninguém a cozinha portuguesa”, diz Maria de Lourdes Modesto, lamentando que ele se tenha afastado das cozinhas.
Sonhava ser empregado de mesa porque “andavam com as unhas mais cuidadinhas, com o lacinho”, contou ao Correio da Manhã. Mas António da Silva – que morreu nesta quarta-feira aos 81 anos – ficou famoso não pela arte de servir à mesa, mas pela da cozinha. Os portugueses conhecem-no como chefe Silva e muitos lembram-se ainda de o ver no programa televisivo TeleCulinária e nas revistas com o mesmo nome.
Maria de Lourdes Modesto, que o indicou para o projecto da TeleCulinária, disse ao PÚBLICO que o chefe Silva “conhecia a fundo, e como ninguém, a cozinha portuguesa”. Por isso, foi “com pena” que o viu “desviar-se da carreira de cozinheiro” para se tornar sobretudo um divulgador. “Se tem ido pelo caminho regular podia ter sido um grande chefe de cozinha e ter dado um contributo maior.”
Nasceu a 29 de Março de 1934 em Caldelas, no Minho – para onde o seu corpo foi transportado e onde quinta-feira se realizará, pelas 17h30, uma cerimónia fúnebre na Igreja Paroquial de Santiago de Caldelas. Contou à revista Sábado que teve uma infância difícil, sobretudo depois da morte do pai. “Passei fome. Lá em casa havia couves e batatas cozidas. Carne só quando eu ia aos ninhos apertar o pescoço aos pássaros.”
Foi ajudante de pedreiro e de ferreiro até que um dia decidiu ir para Lisboa, apenas com a roupa que tinha vestida e uma cesta de laranjas. Rapidamente arranjou trabalho como ajudante de cozinha. “Namoradeiro”, apaixonou-se por Maria da Graça, que viria a ser a sua mulher, apenas por a ouvir ao telefone (na tropa foi telefonista). Foi trabalhar para Moçambique, onde ficou sete anos, durante os quais nasceram os dois filhos. Quando voltou para Portugal, em 1965, tornou-se segundo cozinheiro no Hotel Avenida Palace.
Foi nessa altura que Maria de Lourdes Modesto o conheceu. “Eu estava na Fima-Lever e precisava de um cozinheiro para dar aulas. Pedi ajuda ao chefe João Ribeiro e ele aconselhou-me o Silva. Veio conversar comigo, deu umas quantas aulas e vi que ele era de facto muito bom”. Incentivou-o, levando-o a frequentar a Alliance Française e a concorrer ao concurso de Melhor Cozinheiro.
Quando, mais tarde, foi ao Porto e viu a cozinha que ele fazia na altura ficou convencida de que estava perante “o trabalho de um grande cozinheiro”. Sublinha que não teve qualquer interferência na ida dele para a televisão, mas, mais tarde, quando a convidaram para fazer a TeleCulinária, um projecto no qual ela não estava interessada, indicou o nome dele. Lamenta, contudo, que isso tenha acabado por o afastar da cozinha. “Podia ter feito muito mais, tinha capacidade e conhecimentos para isso.”
António Silva começara entretanto também a dar aulas na Escola de Hotelaria do Porto e por causa disso foi parar à televisão. Comia-se mal na cantina da RTP e a escola enviou o chefe Silva para resolver o problema. Acabou à frente das câmaras a apresentar as suas receitas. Surgiu depois a revista TeleCulinária, cujas capas traziam a “receita filmada da semana”. Tinha muitos pratos com o seu nome, mas confessou que não era por os ter inventado: “Não há invenções, há criatividade”.