Clinton no seu melhor tranquiliza os mais nervosos

Favorita nas sondagens não teve falhas no primeiro debate entre os candidatos do Partido Democrata. Senador Bernie Sanders também esteve bem, mas não terá sido suficiente para a grande mudança que desejava.

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Bernie Sanders e Hillary Clinton lado a lado no debate em Las Vegas Joe Raedle/Getty Images/AFP

O palco do debate onde se falou de desigualdades provocadas pela má distribuição da riqueza foi o luxuoso Hotel Wynn, um resort inaugurado em 2005 que custou 2,7 mil milhões de dólares. Sob a batuta do jornalista Anderson Cooper, da CNN, cinco pretendentes ao lugar de candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata trocaram argumentos durante duas horas, enquadrados no cenário por ordem da sua posição nas sondagens.

Ao meio, a favorita, Hillary Clinton, ladeada pelo senador do Vermont Bernie Sanders, um orgulhoso “socialista democrata”, e por Martin O’Malley, ex-governador do estado do Maryland. Nas pontas, penalizados pelas fracas figuras nas sondagens, ficaram Jim Webb, ex-senador da Virginia, e Lincoln Chafee, ex-governador de Rhode Island. A CNN guardou um lugar para Joe Biden até à última hora, mas o vice-presidente ainda não decidiu se vai entrar na corrida.

Estiveram cinco candidatos em cima do palco, mas apenas dois participaram verdadeiramente no debate que interessa — qual deles tem melhores hipóteses de derrotar o candidato do Partido Republicano nas eleições gerais, marcadas para Novembro de 2016? E a resposta é simples, se Joe Biden não decidir complicá-la com uma ida a jogo: Hillary Clinton e Bernie Sanders.

Diferentes desafios
Os desafios de um e de outro eram completamente diferentes, e até certo ponto ambos cumpriram os seus objectivos. O problema para Sanders é que os desafios de Clinton eram mais ambiciosos e complicados: apagar de uma vez por todas a imagem de simpatia forçada, de política que muda de opinião sobre assuntos importantes como quem muda de camisa e de candidata que acredita ter o direito à nomeação só porque sim.

Logo no início, no período reservado à apresentação de cada candidato, Hillary Clinton disse que tem percorrido o país “a ouvir e a aprender” — não fossem as certezas que também teve na corrida de há oito anos, e que acabou por perder para Barack Obama, voltarem para a assombrar.

Depois partiu para o ataque, fixando-se em Bernie Sanders. O senador do Vermont, que tem a agenda mais à esquerda entre todos os candidatos do Partido Democrata, ainda está a 20 pontos de diferença nas sondagens a nível nacional (nas preferências pelo melhor candidato para enfrentar o vencedor das eleições no Partido Republicano), mas a estratégia de Clinton passava por conter o crescimento do seu principal opositor — apesar de a diferença ainda ser enorme a nível nacional, Sanders conseguiu aproximar-se de Clinton nas sondagens no Iowa, e leva até vantagem no New Hampshire, os dois primeiros estados a ir a votos, em Janeiro do próximo ano.

Hillary Clinton aproveitou o ponto mais fraco de Bernie Sanders perante o eleitorado mais liberal do Partido Democrata: a sua posição pouco consistente em relação à posse de armas.

“A maioria da população apoia a verificação de antecedentes (para quem quer comprar armas), tal como a maioria dos proprietários de lojas de armas. O senador Sanders votou cinco vezes contra a Lei Brady. Desde que essa lei foi aprovada, foram prevenidas mais de dois milhões de vendas proibidas. Ele também votou a favor da cláusula de imunidade (para quem vende armas), e eu votei contra. Eu estava no Senado nessa altura. Para mim, a lei não era nada complicada”, disse Clinton, depois de o senador do Vermont ter salientado a importância da caça no seu estado, o que tornava a Lei Brady “complicada”.

Tranquilizar os apoiantes
Fiel ao que tinha dito nos dias que antecederam o debate, Bernie Sanders evitou atacar qualquer dos outros candidatos, incluindo Hillary Clinton, fazendo questão de discutir os “verdadeiros assuntos”, como as desigualdades económicas, a dificuldade de acesso à educação para milhões de jovens ou a “ganância de Wall Street”, proferindo mesmo uma das frases da noite: “Na minha opinião, não é o Congresso que supervisiona Wall Street, é Wall Street que supervisiona o Congresso.”

Mas essa postura directa e genuína, que lhe tem valido enchentes nos comícios, não foi suficiente para fazer mossa a uma Clinton que conseguiu tranquilizar os seus apoiantes — antes do debate, a queda nas sondagens fez soar alarmes e já se dizia que a história de há oito anos poderia repetir-se, protagonizada desta vez por Bernie Sanders ou por Joe Biden, que seria convencido a candidatar-se pela máquina do Partido Democrata para acautelar as eleições gerais.

Num debate muito diferente dos dois já realizados pelos candidatos do Partido Republicano — onde Donald Trump e um grupo alargado de ultraconservadores passaram mais tempo a trocar acusações pessoais —, o senador Bernie Sanders também arrancou muitos aplausos da assistência, e até uma ovação de pé. Mas até nesse momento quem se ficou a rir foi Hillary Clinton.

Questionada pelo moderador sobre a utilização de um servidor pessoal para enviar e receber e-mails de trabalho enquanto foi secretária de Estado, entre 2009 e 2013, Clinton repetiu o que tem dito nas últimas semanas sempre que alguém lhe faz a mesma pergunta: não foi a melhor opção, mas está a ser o mais transparente possível. Farto de ouvir falar de e-mails, Bernie Sanders não conteve a sua vontade de falar sobre “os verdadeiros assuntos” e gritou: “O povo americano está farto e cansado de ouvir falar na porcaria dos seus e-mails!”

Ainda a assistência estava de pé, a ovacionar a resposta de Sanders, e Hillary Clinton sorria e cumprimentava o senador do Vermont, num misto de reconhecimento pelo fair play do rival e de felicidade por lhe ter saído a sorte grande: “Obrigada, Bernie.” Afinal, Sanders tinha acabado de dizer a todo o país o que Clinton não podia dizer aos jornalistas que a acompanham nas acções de campanha desde que lançou a sua candidatura.

 

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