Uma cama para se falar da política que há no amor

No arranque do festival Temps d’Images, Maria Gil e Miguel Bonneville apresentam no Negócio, até sábado, uma palestra-performance intitulada Amor e Política.

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Maria Gil e Miguel Bonneville são os protagonistas de Amor e Política Joana Linda

Esta semana, de quarta a sábado, Maria Gil e Miguel Bonneville abrirão as portas do Negócio, no Bairro Alto lisboeta, convocando o público para uma palestra-performance intitulada Amor e Política, em que as duas temáticas estarão em permanente relação de promiscuidade. Os dois passam a noite na cama, neste espectáculo que abre o festival Temps d’Images, aproveitando a simbologia evidente da intimidade que pretendem expor em cena.

Só que o facto de a imagem de Maria e Miguel sentados na cama evocar de imediato essa anterior de John e Yoko desloca todo o legado simbólico de Amor e Política: precisamente porque a política e a mediatização se enfiam logo debaixo dos lençóis com eles, alterando por completo quaisquer regras de intimidade. A partir daí, inicia-se uma manobra de sedução que, mais do que entre um e outro, se passa entre os dois e o público. “Há um elemento de sedução nessa abertura de escutar o outro”, defende Maria Gil. “Nós estamos na cama a abrir o espaço, a servir de veículo para colocar o público aqui connosco.”

Calma, ninguém é intimado a subir para a cama com Maria e Miguel. Mas nas duas palestras que fazem, em que convocam a sua história íntima e a debitam para o outro, aquele que ouve é uma representação do colectivo dos espectadores que se encontram dispostos à sua volta. Para reflectirem sobre as contaminações entre o amor e a política, durante meses assistiram a conferências, foram à bruxa a Setúbal e recolheram entrevistas, cartas e emails de ex-namorados. “Convoco o meu exército de amantes”, declara, às tantas, Maria Gil.

Esse esgravatar na história pessoal equivale, para os dois, a um questionamento em público do lugar onde se encontram e de onde vieram, aquilo por que estão a passar e para onde querem ir. Na sua relação com os outros, e na chegada a definições como o amor de mãe é “esse lugar emocional ao qual todos regressamos como cães”, estabelecem as bases para uma reflexão sobre os seus percursos e sobre a sua relação com as normas sociais.

O amor parlamentar
Foi também por isso que contactaram uma série de deputados em funções na Assembleia da República – Miguel Tiago (CDU), Maria de Belém (PS), Mariana Mortágua (BE), Teresa Leal Coelho (PSD) e Teresa Caeiro (CDS) – e membros de movimentos sociais – Paulo Borges (Outro Portugal Existe) e Luhuna Carvalho (Movimento Anarquista) –, a quem foram perguntar o que é o amor e se pode o amor ser um acto político. Foram à procura dos deputados, enquanto detentores do poder da validação social através da criação de legislação, mas também na expectativa de entrever “quem são estas pessoas que decidem o que se passa neste país”. Afinal, para chegar a estes seres que tinham por inacessíveis, bastou um simples email e agendaram entrevistas com todos, o que lhes permitiu concluir que, por debaixo da aparente coincidência de opiniões, as nuances do discurso acabaram por revelar posições algo divergentes.

Findo o tom confessional da primeira parte do espectáculo, em que Maria e Miguel partilham as suas reflexões e inquietações, é deste material recolhido nas entrevistas que se alimentam. Protegendo sempre a autoria das frases citadas – nunca saberemos se a visão (política) do amor de Belém será mais compatível com as de Mortágua e Tiago ou as de Leal Coelho e Caeiro –, assumem um papel de doutor Frankenstein e constroem, a partir de excertos, o político a quem, talvez, seriam capazes de confiar alguma forma de amor.

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