Aqui sou mais eu

Os vinte anos e os Silence 4 já lá vão há muito. O eterno adolescente David Fonseca chegou aos 40 e aproveita para olhar para trás sem nostalgias, para perspectivar o que aí vem, em Futuro Eu, o álbum concebido na casa dos avós em Peniche.

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Foi em Peniche, entre memórias e desejo de futuro, na casa original dos avós que a família mantém, que o novo álbum, Futuro Eu, a lançar dia 16, foi concebido Patrícia Martins

Cresceu a ouvi-las. A avó era filha de faroleiro nas Berlengas. O avô construiu barcos que faziam percursos até à ilha. Os pais cresceram ali. E ele ao longo da vida foi intercalando Leiria, Lisboa e Peniche no seu roteiro. Hoje vive em Leiria, passa muito tempo em Lisboa e continua a ir a Peniche com regularidade. Nas férias da infância e adolescência era onde passava o Verão e ainda hoje a casa dos avós, entretanto já falecidos, é refúgio.

Há pouco tempo deu por si a tentar contactar os amigos da adolescência de Peniche para chegar à conclusão que todos partiram. A casa da família fica no centro da povoação, também hoje meio desertificado. Como em muitas outras cidades médias do país, prefere-se habitar na periferia. Foi ali, entre memórias e desejo de futuro, na casa original dos avós que a família mantém, que o novo álbum, Futuro Eu, a lançar dia 16, foi concebido.

“Não sou de nostalgias, mas existem nesta casa histórias e memórias que fazem parte do meu percurso e com as quais me sinto confortável”, diz-nos ele. “Aqui sinto-me num casulo. Venho aqui, fecho a porta e sinto-me bem sozinho. É como se este sítio me permitisse soltar as minhas defesas. Como os brasileiros costumam dizer aqui eu sou mais eu.” Durante quatro meses intercalados foi ali que compôs o disco e estruturou as canções, permitindo-se a uma “espécie de isolamento sabático”, montando ali um pequeno estúdio. “Os meus únicos pontos de fuga era ir jantar ao mesmo sítio e todos os dias dar um pequeno passeio de bicicleta até ao Cabo Carvoeiro, olhando para as Berlengas.”

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Patrícia Martins

Ele descreve o seu novo álbum como sendo possivelmente o seu mais pessoal. Em parte porque é o primeiro que canta em exclusivo em português, depois de experiências esporádicas nessa língua com os Silence 4 nos anos 1990, ou com os Humanos e a solo nos anos 2000. Mas não parece ser apenas isso. Chegou à meia-idade e isso tanto contribuiu para um olhar retrospectivo, como para alimentar o desejo de seguir em frente, no contexto de um álbum a apresentar a 30 de Outubro no C.C.B., em Lisboa, e a 31 na Casa da Música do Porto.

Compôs e concebeu o esqueleto das canções do seu novo disco, aqui, isolado, nesta casa de família, o que nunca tinha acontecido na sua carreira. Significa isso que passou por alguns momentos de impasse criativo depois do lançamento do duplo álbum Seasons há cerca de três anos?
No final desse disco duplo estava cansado com o processo de compor. Foi esgotante. Editei 25 canções no espaço de um ano o que dá duas canções por mês. Vivia dentro do estúdio. Quando entrei em digressão percebi que estava cansado de compor e nunca mais o consegui fazer, ao contrário do que tinha sido habitual anteriormente. Havia um vazio. Nunca mais aconteceu nada. Passado um ano comecei a fazer coisas, mas não estava a gostar. A coisa não me saía. Soava-me a fenómeno de repetição. Não sei se é a crise dos 40 anos mas não sabia bem para que lado ir. Fazer música para mim sempre esteve muito ligado à ideia de evasão emocional, de estabelecer uma relação com o mundo que não passa pelo quotidiano. E naquele momento a música não tinha de todo esse efeito em mim.

No seu caso há um corte entre o artista e o quotidiano?
Um pouco, sim. A minha vida quotidiana nada tem a ver com o que escrevo, apesar de ser sempre um pouco autobiográfico. Acordar, ir ao café, ao supermercado ou ir pôr o carro na oficina não se relaciona com o que faço artisticamente. Nada disso tem a ver com o plano emocional onde as minhas canções vivem. Diria que a música é o meu espaço de reflexão emocional e depois desse disco duplo não encontrava na música essa forma de escape. Essa fase foi na altura em que os Silence 4 se reuniram, no final de 2013 [o grupo deu uma série de concertos em 2014 e reeditou os seus dois álbuns]. E foi aí que tive um embate com a nostalgia que é que é algo que desprezo. A ideia de voltar a um lugar que tinha sido interessante para mim há quinze anos, mas que agora não me iria dizer a mesma coisa, pôs-me em pânico. Por um lado aquela série de concertos fazia-me sentido, pela Sofia Lisboa, mas ao mesmo tempo, do ponto de vista artístico, não sabia como iria sobreviver à experiencia.

O que fez para se relacionar com essa ideia?
Fiz uma espécie de pacto comigo próprio. Começamos a ensaiar em Dezembro de 2013, numa base de três dias por semana. E para cada três dias de ensaio que fazia com os Silence 4 eu vinha para aqui quatro dias. Foi assim que estabeleci esse compromisso. À segunda, terça e quarta tocava o passado. À quarta à noite vinha para aqui e tentava estabelecer uma quebra com o que tinha acabado de fazer. Isso ajudou-me. Não deixa de ser curioso que tenha sido essa ideia de nostalgia a despoletar uma outra coisa que não sabia bem ainda o que era. O facto de o disco ser em português tem claramente a ver com isso.

Parece que esse olhar para trás o confrontou com algo. Este disco funciona como balanço do passado, para assim poder perspectivar de forma mais nítida o que aí vem?
Não sei. Essa experiencia com os Silence 4 apenas veio acentuar qualquer coisa que vinha de trás. Não se trata de um balanço. Isso não tem importância nenhuma. É-me indiferente. Sinto-me sempre a recomeçar do zero. No dia em que achar que esta actividade deixa de ser interessante para mim não vejo como é que a vou continuar. Não sei se tem a ver com a educação católica mas há uma parte responsável em mim, uma moralidade qualquer, que diz que se isto não for algo real tenho que fugir daqui. Pressiono-me a fazer qualquer coisa que faça sentido para mim na altura. De contrário não valerá a pena.

Falamos com David Fonseca na cozinha da casa dos avós, uma habitação espaçosa, com muitos objectos, todos eles com a sua história particular. Lá fora um jardim-quintal com árvores. No Verão leva para ali os amigos. E acabam naquela cozinha. “Esta casa foi comprada pelo meu avô quando tinha vinte e poucos anos e ao longo dos tempos foram vivendo aqui muitas pessoas, entre tias e primos. Acho que chegaram a viver aqui, ao mesmo tempo, cerca de 15 pessoas”, diz-nos. 

A família é extensa. Quando se reúnem existe um “ambiente de família à italiana”, sempre com agitação. Os avós gostavam disso. Os pais continuaram esse hábito. E ele acaba por perpetuá-lo, principalmente quando chega o Verão, convidando os amigos a ali permanecerem. “A casa é grande e depois sente-se aqui um espírito relaxado, pelo jardim, pela praia perto, por poder dar-se uma volta de bicicleta, e esta cozinha é onde toda a gente acaba a conversar todos os dias.”

Nessas ocasiões a televisão está sempre desligada. “Preferimos ligarmo-nos uns aos outros”, ri-se. No Verão janta-se ao ar livre, no inverno é no interior que tudo acontece. “É um espaço com uma memória emocional muito grande”, expõe, “por aqui passa política, amores, enfim, a vida no sentido mais pleno.” Foi ali também que há um ano começou a compor. Inicialmente não foi fácil. Houve avanços e recuos. Momentos de folha em branco. Mas a determinação acabou por levar a melhor.

O seu último álbum havia sido feito na sua casa de Leiria, onde tem um estúdio. Foi extenuante. No final disse a si próprio que, da próxima vez, era preciso sair dali para respirar. E foi aí que a casa de Peniche se tornou hipótese. “Tive aqui alguns dias desesperantes porque não se passava nada, mas como me disse um professor da Escola de Cinema, na aula de argumento, às vezes temos que predispor-nos a escrever todos os dias e a disciplinar-nos, mesmo que nada saia.”

Às tantas começou a impor a si próprio “alguns subterfúgios” no sentido de fazer acontecer as canções. Um dia resolveu comprar uma velha Olivetti Tropical, uma máquina de escrever, nos anúncios classificados do OLX. Queria sentir de forma mais intensa o acto de escrever. Ouvir o som. E ficava horas a redigir. Às vezes de forma quase febril. “A minha mulher vinha visitar-me e olhava à volta, páginas e páginas, e perguntava-me o que se passava e o que se passava era uma libertação enorme. Ficava horas nesta mesa, integrando o som da máquina de escrever e escrevia contos, diários, espécie de poemas, enfim, procurava.”

A ideia de começar a cantar em português nasceu aí. Um dia deu por si a cantar um dos seus textos e ficou impressionado com o impacto emocional provocado. Algo novo nascia dentro de si. Como se constituísse um reencontro consigo próprio. “Foi qualquer coisa de muito radical em termos pessoais”, diz-nos. Ao longo dos anos sempre havia dito que o inglês lhe surgia de forma natural, porque quase não ouvia música portuguesa. A afinidade ia claramente na direcção da música anglo-saxónica. Agora revelava-se outro desejo. “A partir de determinada altura fez-me imenso sentido. Mas não foi fácil ficar satisfeito. Tive até de estabelecer uma série de regras que coloquei aí na parede.”

Fala muito de normas. Impõe-se a si próprio limites?
De alguma forma. Depois deste processo percebi porque é que nem sempre consigo estabelecer uma relação com a música cantada em português e uma delas é a poesia cantada. Não entendo isso. A poesia vive num território que não é minimamente musical.  Não tem a ver com a música, mas com o silêncio. Quando leio a Sophia de Mello Breyner ou o Eugénio de Andrade para mim é inimaginável que aquilo tenha música. É um espaço de silêncio. Uma das regras que estabeleci foi essa: não cantar poesia. Outra coisa foi  a de não escrever nada que não diga normalmente. Ou seja, não exacerbar o conhecimento da língua portuguesa. Não fazer floreados. Só escrever o que exibo.

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Futuro Eu, chama-se o álbum. Pela primeira vez um disco totalmente cantado em português. Consequências? Um cuidado maior com as palavras, uma nova força interpretativa e o disco em que o que é dito assume papel mais preponderante Patrícia Martins

Agora que escreve e canta em português vai ficar mais vulnerável às críticas. Sente que as letras ficam diferentes?
Nunca penso muito no que as pessoas vão dizer. As letras não estão diferentes pelo facto de serem em português. Quando se escreve em inglês pode-se ser mais fantasioso. É como se fosse uma segunda pele. Não é um personagem, mas é uma máscara. O que torna tudo mais fácil. A língua inglesa não é tão específica como a portuguesa. Não é tão rica. Nesse sentido as letras em português poderão ser mais particulares e duras.

Ao nível temático sente-se, talvez, mais introspecção.
São canções mais duras. Quando comecei a escrever em português interroguei-me sobre o que ressoava dentro de mim. A minha mãe era professora primária e nos saraus cantava coisas da Amália e recordo-me que aquilo era sempre muito grave. Sempre associei o cantar em português a essa dureza. E parece-me que, neste disco, não a rejeitei. Vivemos um momento musical em que existe mais tendência para o relaxamento do que para a preocupação e quando ouvimos os grandes êxitos em português percebemos que nada têm a ver com inconformismo.

Mas no seu caso também não se sente que exista um comprometimento com o estado do mundo ou de Portugal.
Um amigo meu ouviu o disco e disse-me que era o meu disco mais político. Eu percebo-o, porque a politica tem também a ver com a forma como nos relacionamos uns com os outros. Nunca olhei para a música como se ela servisse para nos juntarmos ao final do dia à volta de uma fogueira, para cantarmos em conjunto. O que faço não tem a ver com essa vibração de boa onda. A minha forma – política, se quisermos – de nomear as emoções vai além disso. Por norma sinto-me mais revoltado do que as pessoas à minha volta. Gosto de apontar aos problemas. Mas essa revolta não tem que ser exposta de forma panfletária. Não é assim que vejo as coisas. Ouvem-se as bandas punk dos anos 70 ou 80 e percebe-se que aconteceram por razões políticas, mas não significa que tenham de falar sobre o momento politico.

Há em várias canções do álbum alusões a uma mulher, mas mais do que uma pessoa em particular, diz-nos, o que lhe interessa é que esse Outro sirva para mapear um território que lhe é afecto, acabando por escrever sobre coisas que viveu ou das quais se sente próximo. Mas a intimidade com a língua não teve apenas consequências líricas, contaminando também o desenho sonoro, com canções onde o centro é realmente a voz e o que é dito.

Em Peniche construiu o esqueleto das canções, tocando solitariamente a generalidade dos instrumentos. Quando elas chegaram aos restantes músicos já existia uma ideia muito definida do resultado final. “Eu fiz o esboço e eles pintaram aquilo muito bem”, declara ele. A grande diferença em relação ao passado foi a subtracção de elementos que, numa segunda fase, se vieram a revelar excedentários. “Passámos tardes a gravar coisas que acabaram por não aparecer no disco, sendo subtraídas. Nunca tinha feito isso. A ideia era despir o que havia à volta da voz. Nesse sentido foi um processo mais simples.”

David Fonseca tem 42 anos, descrevendo-se muitas vezes a si próprio como alguém singular no contexto musical português. À primeira vista poderá parecer despropositado, mas faz sentido. É que a sua música e até a forma como opera têm qualquer coisa do imaginário indie dos anos 1990, embora ele seja uma personalidade de sucesso no mercado português. Por outro lado, apesar do êxito, não encaixa no sistema da fama à portuguesa, feito de televisões e concursos, estando longe de ser uma celebridade. Outro aparente paradoxo: tem reputação de preservar a intimidade, embora se diga que é dos músicos portugueses que mais se relaciona com os seus admiradores.

Algures, nas entrelinhas, está a verdade. O jogo da fama não o seduz. Mas está consciente dele. De tal forma que no dia 15, numa iniciativa ligada ao lançamento do álbum, irá fechar-se num espaço durante 24h, propondo diversas surpresas, numa iniciativa que poderá ser visionada nas plataformas digitais. Uma espécie de David Fonseca em versão Big Brother. Mas com ele a deter o controlo total da operação. 

Esse domínio sobre o que o rodeia é uma das suas imagens de marca. Mas nem sempre é possível fiscalizar tudo e ele sabe-o. “Se tenho algo à minha volta que não consigo defender com a minha música tendo a resistir. Tenho valores. Mas não é fácil. Não queremos envolver marcas. Não queremos estar envolvidos num mundo de consumo imediato que hoje está tão ligado à música e nem sempre é possível”, afirma, descrevendo que a última vez que esteve num festival de música como espectador a experiência não foi muito benigna. “Estavam sempre a oferecer-me coisas, as pessoas estavam de costas voltadas para os espectáculos, a música parecia ser apenas mais um adereço.”

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Patrícia Martins

E conta uma história curiosa. “Em todos os espectáculos saio do palco e desço até à assistência, por uma questão de envolvimento com o público, quero estar perto dele, mas isso vai sendo cada vez mais difícil porque quando me aproximo o que vejo é telemóveis a porem-se entre mim e as pessoas. Quanto mais me aproximo mais telemóveis vejo e aquilo deixa de ser uma relação entre mim e eles para ser outra coisa qualquer.”

Não é apenas nos concertos que gostam de lhe tirar fotos. Depois do almoço, num restaurante em Peniche, é solicitado para posar ao lado dos donos. E com os admiradores diz ter uma relação muito saudável. É um assíduo das redes sociais. Diz que não faz questão de expor a sua intimidade e mostrar a sua vida quotidiana, mas interage com quem o solicita, em particular quando se trata do seu clube de fãs. “Faço coisas só para eles, vamos a casa deles, vão jantar comigo, falamos sobre a vida, sei o nome deles e reconheço as suas caras, enfim, e isso acontece em vários sítios do país.” Por norma gostam de lhe falar de uma canção específica que raramente é alguma de grande sucesso.

“É sempre uma canção que tem qualquer coisa que escrevi e que comunicou com eles em determinada fase da sua vida. Claro que sabe bem ouvir isso. É comovente perceber que não fiquei sozinho nessa espécie de confissão emocional.” A apropriação que fazem das suas canções é qualquer coisa que o fascina – “o Who are U?, por exemplo, já foi banda-sonora de funerais, mas também de casamentos” – e que ele próprio percebe porque, como ouvinte, já de deixou aliciar por essa ideia de que existem canções que parecem expressar o que é difícil de verbalizar.

Já entendemos como é a relação com os seus admiradores e o universo da música. E como se posicionam os seus dois filhos, e mulher, com a sua vida pública?
Não ligam nenhuma. Tenho uma grande vantagem porque estou com a minha mulher há muitos anos, antes mesmo do fenómeno Silence 4. Temos uma relação longa, o que faz com que não seja uma questão para eles. Os meus filhos cresceram assim. E na verdade não é apenas com o meu núcleo familiar. Os meus amigos também. Não ligam muito. Nos anos 1990, quando vinha dos palcos e daquele mundo dos Silence 4, regressava a um cosmos de normalidade onde a fama não era sequer um assunto. À minha volta esse fascínio nunca existiu. Nunca. Talvez tenha tido sorte de estar rodeado de pessoas assim.

E no seu caso? Ao longo do seu percurso já conviveu de perto com pessoas de que gosta. Alguém que o fascine?
Já estive ao pé de pessoas mundialmente famosas, mas que não me exercem nenhum deslumbramento. A única pessoa que continua a exercer sobre mim um certo fascínio – e isso tem a ver com a minha infância e adolescência – é o Herman José. Sempre que o vejo ele conversa comigo de forma normal mas eu sinto-me sempre um pouco pequenino, não há nada a fazer. Talvez se visse o Tom Waits isso provocasse também esse tipo de fascínio. E daí, não sei. Recordo-me que, em 1998, quando os Silence 4 encerraram o festival Sudoeste estava muito nervoso. Eramos novos e estávamos a tocar com a PJ Harvey e os Portishead que eram bandas que adorava. A certa altura, no meio daquilo, vejo-me em cima do palco a ver a PJ Harvey, ao lado da Beth Gibbons, enquanto fumávamos um cigarro e ela vira-se para mim: ‘ela é fantástica, não é?’ E eu fiquei a pensar naquilo, afinal, um mês antes ouvia com intensidade os Portishead e agora ali estava eu em cavaqueira banal com a Beth Gibbons a ver a PJ Harvey. E na verdade era tudo natural, entre pessoais normais.

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Um dia resolveu comprar uma velha Olivetti Tropical, uma máquina de escrever. Queria sentir de forma mais intensa o acto de escrever. Ouvir o som. E ficava horas a redigir

Não é comum ouvir falar mal de si, o que tendo em atenção o seu já longo percurso também não deixa de ser estranho. Seria natural que criasse resistências e invejas.
No campo da indústria da música existe uma razão específica para isso. Não sou uma pessoa muito pública no sentido da socialização. Vivo a maior parte do tempo isolado das pessoas do meio. Não convivo muito. Talvez seja isso. Mas claro que há muita gente que não suporta o que faço. O país é muito pequeno, por isso também não é difícil. Não é nada fácil ser músico aqui, principalmente quando se é ‘indie’. Daí que quando se chega a um outro patamar, ao centro do mercado, como no meu caso, e se faz vida disto, é inevitável irritar muita gente, não há outra hipótese. Nesse sentido há gente que não gosta de mim.

Está numa fase crucial da carreira. Lançou sete álbuns, está num período de transição geracional, a indústria mudou, já tentou o mercado externo. Como olha o futuro?
Não sei. Nem sei se vou escrever o resto da vida em português. Mas não é fácil viver da música aqui. O país é pequeno. Já dei a volta ao quarteirão muitas vezes – haverá algum sítio onde não tenha tocado em Portugal? Se calhar não. Mas por outro lado tenho vontade de prosseguir e apresentar coisas diferentes, mesmo sabendo que a maior parte do público não lida bem com ela. O centro do mercado não lida bem com vozes individuais. O que temos hoje é o predomínio da linguagem televisiva, os reality shows, os concursos de talentos. E esse é um problema porque não consigo ver-me nesse padrão. Recusei duas vezes ser júri desses programas. Ao fazê-lo prescindo de chegar a muita gente, embora me salvaguarde de algo que não acredito. Enfim, não sei o que vou fazer. Não quero pensar nisso.

O que diria a alguém que pretende visitar Peniche?
Diria para não se impressionar com a forma meio dura como a cidade por vezes reage às pessoas. As pessoas são simpáticas, mas é um sítio do mar, rijo, onde viver nem sempre é fácil. Às vezes esse primeiro embate pode ser difícil. Mas é também um sítio que tem imenso mar e praia e que não foi reduzido a estância turística. É selvagem. É um sítio onde nos podemos sentir isolados, mas isso pode ser muito saudável.

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